sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Mera irregularidade e improbidade administrativa

Valor Econômico – Legislação & Tributos – 16.10.08 – E2

Irregularidade e improbidade administrativa
Társis Nametala S. Jorge e Viviane Matos G. Perez
16/10/2008



Nestas linhas passaremos a tratar de uma questão que vem sendo amplamente debatida nos tribunais de todo o país. Trata-se da questão da aproximação das figuras da improbidade e da irregularidade administrativas. Essas discussões vem ocorrendo principalmente em ações civis públicas encetadas em face de agentes públicos e particulares por conta de irregularidades administrativas perpetradas nas mais variadas atividades administrativas, com ênfase nas questões licitatórias.

Basicamente, podemos aduzir que a Lei de Improbidade Administrativa - a Lei nº 8.429, de 1992 - estabelece três espécies de tipos de improbidade administrativa, nos artigos 9, 10 e 11 do referido diploma. No entanto, atos como os de contratação de pessoal sem concurso público, repartição de objeto de licitação para reduzir o valor do contrato e se obter uma forjada hipótese de não-licitação ou licitação por modalidade mais simples vêm sendo tidos por alguns como sinônimos de improbidade administrativa. Que se tratam de irregularidades administrativas, disso não há dúvida - e portanto devem ser punidos seus autores. O que se discute, outrossim, é se, automaticamente, esses atos também se enquadram nos casos de improbidade administrativa.
A resposta dos tribunais têm sido negativa. Isto é, para que uma irregularidade administrativa seja também qualificada como ato ímprobo, há requisitos específicos, que vêm sendo hauridos dos termos expressos ou dos preceitos implícitos da Lei nº 8.429. E tais requisitos variam de acordo com a tipificação desejada para o ato, se referente aos já citados artigos 9, 10 ou 11 do diploma de improbidade.
No entanto, de um modo geral, os tribunais tem estipulado que: 1) atos de má gestão, se não provada a culpa grave ou dolo na ação do acusado, não implica improbidade, ou que significa dizer, como já disse o próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ), que a improbidade se aplica ao administrador desonesto e não ao inábil ou despreparado; 2) em determinadas ocasiões, se não há dano ao erário, não haverá improbidade, devendo haver prova cabal desse dano; 3) em outras hipóteses, sem enriquecimento pessoal do agente, também não se fará presente a atitude ímproba, cabendo também ao acusador a prova do enriquecimento pessoal.
Aliás, é uma constante, ao menos na jurisprudência do STJ o expresso afastamento da responsabilidade objetiva por improbidade administrativa. Assim é que, muito embora presente o liame de causalidade entre a conduta do agente e o fato respectivo, não bastará somente isso. Será preciso uma investigação mais a fundo das circunstâncias legais - implícitas ou expressas - que caracterizam a irregularidade em improbidade administrativa.
É bem verdade que tais decisões não navegam em mares de tranqüilidade jurisprudencial. Há decisões, algumas mais antigas, do próprio STJ, como também, estas também contemporâneas, de tribunais estaduais estabelecendo, ainda que não de forma ostensiva, a já referida responsabilidade objetiva por improbidade administrativa.
Com a vênia necessária, entendemos que este último entendimento equivoca-se. Como se sabe, logo após a edição da Lei nº 8.429, cerrou-se controvérsia acerca da sua natureza penal ou civil, tendo em vista a gravidade das penas pela mesma infligidas, muitas vezes tão ou mais graves do que as sanções penais. Muito embora o entendimento que acabou por predominar tenha sido aquele segundo o qual a legislação de improbidade tem natureza civil, fica muito claro que ela se apresenta em uma zona de contigüidade com a legislação penal. Daí que algumas garantias previstas aos acusados na esfera penal seriam extensíveis aos acusados por improbidade administrativa. E uma delas, sem dúvida, é a proibição de responsabilidade (penal) objetiva.
É evidente que o ordenamento jurídico não pode se compadecer com a quebra dos deveres administrativos. Nem é isso que se diz nessas linhas. No entanto, também causa espécie a aplicação de legislação que, sem exagero, poder-se-ia classificar de materialmente penal, embora formalmente civil, sem os cuidados mínimos para preservar a integridade dos acusados. É necessário atuar com severidade, mas também com razoabilidade. Por isso que, ao nosso ver, os elementos subjetivos e objetivos que vem sendo levantados pelos tribunais como requisitos necessários à condenação de agentes públicos e privados - esses, por equiparação a agentes públicos, na forma da lei - por improbidade administrativa estão corretos. Puna-se o ímprobo, mas sem deixar de respeitar os liames do Estado democrático de direito.
Társis Nametala Sarlo Jorge e Viviane Matos González Perez são, respectivamente, procurador federal da Advocacia-Geral da União (AGU) e professor do LLM em direito do Ibmec do Rio de Janeiro; e procuradora municipal e sócia sênior do escritório MGB & J. Associados

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