quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Férias de 30 dias em extinção

Jornal do Commercio - Carreiras - 07, 08 e 09.09. B-16

Férias em extinção
Jaqueline Porto
Há 15 anos, Edvaldo Del Grande não sabe o que é tirar férias de 30 dias corridos. Como presidente da Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo (Ocesp), desde 2006, o máximo que consegue é emendar o recesso de final de ano e descansar por duas semanas. Assim como o executivo, há muitos na mesma situação. A constatação está na pesquisa A Contratação, a Demissão e a Carreira dos Executivos Brasileiros, coordenada pela empresa de recrutamento Catho Online, que entrevistou 16.207 profissionais e identificou que somente 15,6% conseguem se afastar do trabalho por um mês inteiro. A questão é saber se a falta do descanso afeta o rendimento e, em última instância, até mesmo a carreira do profissional. Consultados pelo Jornal do Commercio, especialistas em Recursos Humanos (RH) divergiram bastante na hora de dar essa resposta.Realizada entre os meses de abril e maio de 2009, a pesquisa aferiu a opinião de profissionais da iniciativa privada. Entre os que ocupam cargos de presidente ou gerente-geral, 29,1% tiram férias de menos de uma semana, enquanto 26,7% conseguem 15 dias e apenas 9,2% descansam por 30 dias. No caso de diretores, 4,5% se afastam do trabalho por um mês, enquanto 35,5% ganham a quinzena e 19,3% ficam com apenas sete dias de férias. Para a consultora de RH da Catho Online, Diana Mochcovitch, apesar de a Lei brasileira ser muito clara a este respeito, isso pouco se aplica em cargos de confiança. trabalho por metas. "Quanto mais alto o cargo, menos as leis trabalhistas são consideradas. As pessoas trabalham por metas e resultados, representando a empresa e não a si mesmas. A maioria tira dez dias, emendando com feriados de carnaval ou religiosos", relata.Para a presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos, seccional Rio de Janeiro (ABRH-RJ), Leyla Nascimento, o que acontece é que altos executivos têm mais liberdade para negociar com a empresa períodos de descanso, emendar feriados ou estender viagens de negócios. Porém, mesmo com essa flexibilidade, ela afirma que é fundamental que o período de descanso seja respeitado. "Em função da crise mundial, muitos executivos diminuíram seu tempo de férias no ano passado e no começo deste ano, mas não se deve tirar férias de uma semana ou só de 15 dias. Não é salutar fracionar períodos de férias, porque cria uma rotina na qual o profissional não descansa totalmente. Toda empresa que tenha uma boa política de RH não deveria trabalhar desta forma", enfatiza.Em relação à produtividade do executivo, Leyla Nascimento ressalta que pior do que tirar férias fracionadas ou de duas semanas é o profissional abdicar do descanso, o que pode afetar diretamente a qualidade do trabalho. "Já foi época em que era totalmente possível separar a vida profissional da pessoal. O mundo corporativo atual entende que é preciso ter o lazer como recurso importante para alcance de produtividade com mais leveza e flexibilidade", acrescenta.Mochcovitch, da Catho, discorda: "Pode acontecer de um profissional passar dois ou três anos sem descanso de 30 dias e não creio que isso chegue a afetar a produtividade. Altos executivos têm responsabilidades muito maiores do que outros funcionários de cargos inferiores. Eles são preparados para lidar com isso", opina.Com ou sem problemas de produtividade, Edvaldo Del Grande diz saber que está errado em não priorizar tanto o descanso, mas explica que tenta se programar para ficar de folga em julho, durante as férias escolares. "Lembro-me de ter tirado 20 dias de folga apenas em um ano, o restante foi fracionado. Atualmente, não me prejudica mais tanto, mas no começo era horrível. Depois de 15 anos, a gente acaba se acostumando".agenda dos filhos. Mesmo afirmando que já se acostumou com a rotina puxada, o presidente admite que fica difícil conciliar a agenda de férias e os desejos dos filhos. "Como trabalho demais, gosto de ficar em casa sem fazer nada durante as férias. Fica complicado, porque eles querem viajar e eu só descansar".Diretor de Responsabilidade Social da rede Yázigi Internexus e presidente da Associação Franquia Solidária (Afras), Claudio Tieghi se encaixa no perfil dos que aproveitam os feriados prolongados ou as viagens de trabalho para descansar. "Tenho a possibilidade de negociar com a empresa, mas sempre procuro me adaptar ao calendário funcional e emendar a época de final de ano para folgar uns 15 dias. Anos atrás, consegui tirar um mês, mas foi porque estava em um curso de especialização no exterior. Não me sinto tão prejudicado porque não tenho filhos e gosto muito do trabalho que desenvolvo. Não tem como esquecer, no entanto, que ninguém consegue ser workaholic sem danos", comenta.Segundo o sócio-diretor da Acting Solutions, consultor André Sih, existe um ciclo vicioso na construção de carreiras. "Quanto maior for a ambição, mais o funcionário terá que se dedicar à empresa e quanto mais ele evoluir na escala funcional, maior será a quantidade de responsabilidade e trabalho para manter este patamar", sintetiza. Para Sih, estes fatores influenciam diretamente em períodos mais curtos de férias. "A partir de uma posição de gerência já é difícil folgar um mês. Se for diretor então, esquece!" Na percepção de Tieghi, além do comprometimento com a empresa, existe um fator negativo relacionado à postura de algumas companhias quando se trata do assunto férias. "Algumas empresas têm uma cultura velada de que, se o funcionário tira um mês de férias, isso quer dizer que ele não veste a camisa da companhia. Assim como acontece quando o executivo sai do trabalho no horário certo", pondera.De folga, sem se desligar do trabalho
Para o consultor André Sih, o pior não é o período de folga muito breve e sim o fato de que nem sempre o executivo se "desliga" totalmente do trabalho. "Mesmo com apenas 15 dias, a maioria não se desliga completamente. Usam o celular conectado à Internet ou o notebook para resolverem questões mais urgentes à distância. Em alguns casos, acontece até de o executivo precisar retornar. Infelizmente, isso é recorrente", lamenta.Neste caso, não se trata apenas da demanda da empresa, mas também do perfil dos profissionais que ocupam cargos executivos e que estão acostumados a focar mais o alto desempenho profissional. "Para muitos, não é sacrifício algum. Eles são tão comprometidos com a empresa que não conseguem relaxar. É quase uma simbiose entre a pessoa e o profissional. Sinceramente, nunca vi um executivo não conseguir pensar em negócios, mesmo nas horas de lazer", revela o consultor, que este ano decidiu não tirar férias para participar do processo de reestruturação de sua empresa. "Seria inconcebível tirar férias agora. Pretendo só emendar o Natal e o Revèillon. Talvez, em maio de 2010 eu consiga uns 15 dias e faça uma viagem", adianta. Ciente de que já foi refém dessa dificuldade de se "desligar" do trabalho, Claudio Tieghi, executivo da Yázigi Internexus, diz que percebe que na primeira semana ainda fica atento ao trabalho e que só descansa efetivamente na segunda ou na terceira semana. Mas como raramente consegue férias de mais de 15 dias, ele criou uma estratégia para escapar da pressão. "Propositadamente, busco viagens no exterior ou em lugares muito distantes do Brasil e tento ficar longe de celular e computador a qualquer custo", conta.

Nenhum comentário: