quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Empregado transferido para o exterior

Valor Econômico – Legislação & Tributos – 26.08.09 - E2

Os novos direitos dos empregados enviados ao exterior
Ana Paula Terra 26/08/2009

Desde 6 de julho de 2009, por força da Lei nº11.962, trabalhadores contratados no Brasil que forem transferidos para prestar serviços no exterior possuem maior garantia no que tange a direitos trabalhistas estabelecidos pela legislação brasileira.
O novo dispositivo legal altera a Lei nº 7.064, de 1982, que estabelecia uma série de obrigações trabalhistas a serem observadas apenas por empresas de engenharia, como o recolhimento de FGTS e contribuições previdenciárias sobre os contratos. A nova lei amplia a incidência destes encargos e outros direitos trabalhistas, que passam a valer para toda empresa com sede no país que enviar empregados para o exterior. Dessa forma, a nova lei consolidou entendimentos diversos e pôs fim a controvérsias sobre extensão de diretos trabalhistas estabelecidos pela legislação brasileira a empregados transferidos para o exterior.
Ocorre que a legislação sobre acidentes do trabalho e proteção social do trabalhador historicamente foi regida pelo princípio da territorialidade, de acordo com o disposto no Código de Bustamante de 1929. Desta forma, em questões como a transferência do empregado contratado no Brasil para a prestação de serviços no exterior, que poderiam gerar conflitos de aplicação do direito no espaço, prevalecia a legislação do país onde o serviço foi prestado conforme princípio coroado pela Convenção de Roma . No entanto, em 1942, foi instituída a Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), que permeia todas as normas não penais e define o sistema brasileiro de direito internacional privado. A LICC, em seu artigo 9º , estabelece que "para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem", privilegiando, assim, o princípio de que o direito a ser aplicado depende do local da contratação, e não da execução dos serviços.
A LICC, portanto, gerou situação de conflito normativo. Para alguns, deveria prevalecer a LICC, uma vez que foi instituída após o Código de Bustamante, disciplinando matéria previamente regulada por este diploma, revogando tacitamente seu artigo 198. Corrente adversa defendia a manutenção da vigência do princípio da territorialidade na aplicação das leis trabalhistas, vez que o Código de Bustamante abordava a esta questão especificamente, ao contrário da LICC, que o fazia de forma geral. Por fim, outros defendiam ainda a aplicação do princípio do direito do trabalho que prega a aplicação da norma mais favorável ao empregado. Ademais, havia divergências quanto à posição hierárquica das normas internacionais recepcionadas pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Em meio a esta situação de flagrante insegurança jurídica, a aplicação do princípio da territorialidade foi se sobressaindo, de forma que, se não chegou a gerar uniformização jurisprudencial, consistia em um norte para as decisões judiciais.
Entretanto, em decorrência do crescimento econômico do país na década de 70 e de sua consequente inserção no fluxo internacional de mão-de-obra e prestação de serviços, surgiu a necessidade de oferecer maior proteção a trabalhadores brasileiros transferidos para o exterior. Em 1982, foi promulgada a Lei nº 7.064, garantidora de uma série de direitos trabalhistas aos empregados transferidos para o exterior e que abria, dessa forma, exceção à aplicação do princípio da territorialidade. Sem prejuízo, esta lei se destinava única e especificamente às empresas de engenharia, responsáveis por grande parte do intercâmbio de mão-de-obra à época.
Ocorre que, em 1985, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) estabeleceu a súmula nº207, que determina que a relação jurídica trabalhista é regida pelas leis vigentes no país da prestação de serviço e não por aquelas do local da contratação. O princípio da territorialidade é, assim, reafirmado como regra geral pelo judiciário, ao passo que a Lei nº 7.064 é confirmada como exceção válida apenas para empresas de engenharia.
Com o crescimento do país, diversas companhias brasileiras não atuantes no ramo de engenharia começaram a se expandir, sem que seus empregados transferidos para o estrangeiro tivessem direito a qualquer dos benefícios trabalhistas instituídos pela lei nacional. Como resultado, foi verificado um movimento de reclamação destes direitos, e surgiram algumas decisões que estenderam, por analogia, os efeitos da Lei nº 7.064 para empregados que a princípio não gozariam desses direitos, tendo por base a aplicação do princípio da norma mais favorável e da cláusula mais benéfica, conforme dispõe o artigo 3º, inciso II da referida lei.
Neste sentido, há decisões jurisprudenciais que se valeram da interpretação restritiva da súmula 207, ou seja, permitiu-se a extensão de direitos trabalhistas estabelecidos pela lei brasileira quando a legislação brasileira for mais favorável que a legislação do local da prestação do serviço. No entanto, tais decisões não foram uníssonas na jurisprudência, em virtude da aplicabilidade direta da súmula nº 207 .
Diante de diversificada jurisprudência, mais uma vez foi gerada situação de grande insegurança jurídica, o que ocasionou dúvidas nos empregadores, que não sabiam ao certo qual regime jurídico deveria ser aplicado aos empregados atuantes fora do país.
Com a promulgação da Lei nº 11.962, que, ao estender seus benefícios aos trabalhadores de quaisquer empresas que fossem transferidos (não transitoriamente), resolveu-se de forma definitiva o problema da incerteza jurídica, e teve como principal efeito os resguardo de direitos que já pertenciam aos empregados dentro do país.
Por outro lado, há que se ressaltar que a transferência de empregados para o exterior, a partir de agora, trará maiores encargos e custo para o empregador. Contudo, o novo ambiente de segurança jurídica é positivo para as empresas e a nova lei nada mais faz do que uniformizar e reconhecer direitos do empregado que em parte já lhe eram conferidos conforme o entendimento dos tribunais. A propósito, esses direitos são também garantidos aos estrangeiros que venham trabalhar no Brasil com vínculo empregatício.
Ana Paula Terra é advogada do Azevedo Sette Advogados, especialista em direito societário

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