terça-feira, 17 de novembro de 2009

Governança corporativa

Valor Econômico - EU & S.A. - 16.11.09 - D5

Governança Corporativa: Das 433 empresas listadas na Bovespa, 102 estão hoje nesse segmento, mas apenas 18 delas integram o Índice Bovespa.

Novo Mercado já representa 25% do volume da bolsa
Por Vera Saavedra Durão e Janes Rocha, do Rio
16/11/2009

Prestes a completar nove anos de existência em dezembro, o Novo Mercado de ações da BM&FBovespa já representa pouco mais de um quarto do total de transações no mercado acionário brasileiro. Do total de R$ 1,082 trilhão negociados na bolsa neste ano (acumulados até dia 10 de novembro), R$ 273,4 bilhões correspondiam a negócios com ações registradas nesse segmento.

Das 433 empresas listadas na Bovespa, 102 estão hoje no Novo Mercado, um esforço bem-sucedido de ampliar a transparência e disseminar as boas práticas gerenciais entre as empresas abertas brasileiras, corrigindo erros que durante anos prejudicaram os pequenos acionistas ou os detentores de ações preferenciais (PN, sem direito a voto). Mas apenas 18 empresas do segmento fazem parte do Índice Bovespa, composto por ações de 57 companhias.

O Novo Mercado acabou com as ações preferenciais, só permitindo a existência de ações ordinárias (ON, com direito a voto). Além disso, o tratamento aos minoritários foi igualado ao dos controladores em caso de venda da companhia.

Dessa forma, o segmento ajudou a ampliar a base acionária do mercado brasileiro, trazendo milhares de pequenos e grandes novos investidores. Abriu espaço também para dezenas de novas companhias se capitalizarem com emissão de ações. Empresas como CCR, Natura e Grendene estrearam na bolsa de valores abrindo o capital diretamente no Novo Mercado.

O espaço de negociação de ações da bolsa é dividido em cinco partes: o estágio de entrada em mercado de balcão (Bovespa Mais); outros dois degraus de transparência e boa governança (Níveis 1 e 2); o nível máximo (Novo Mercado); e o pregão tradicional. Das 158 empresas listadas em um dos níveis, a maioria (102) está no Novo Mercado. Na lista se encontram empresas grandes e conhecidas do público como Embraer e Banco do Brasil.

Nos Níveis 1 e 2, as empresas também se comprometem com requisitos de governança corporativa. Mas, diferentemente do Novo Mercado, nos Níveis 1 e 2 as empresas não são obrigadas a ter somente ações ordinárias. Como define a própria bolsa em sua página na internet, o Nível 1 "contempla apenas as regras de transparência e dispersão acionária estabelecidas no Novo Mercado e no Nível 2, com exceção da obrigação de divulgação de demonstrativos financeiros em padrão internacional (IFRS ou US GAAP)".

Dividir poder decisório com os minoritários é empecilho

Do Rio
16/11/2009

O economista Júlio Gomes de Almeida, da Unicamp e ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, atribui a resistência das "blue chips" em aderir ao Novo Mercado ao histórico de controle familiar, apesar das mudanças pelas quais o mercado de capitais vem passando nos últimos 15 anos. "Elas ainda resistem a dividir o poder e informações estratégicas com acionistas minoritários, razão pela qual não se arriscam no Novo Mercado", diz ele. "Predomina ainda nos controladores o medo de perder a capacidade decisória, o comando político do negócio."

De modo geral, Almeida, que estudou a estrutura de capital das companhias brasileiras, considera as empresas e os bancos no Brasil muito conservadores. "Temos uma estrutura de capital 'papai e mamãe', azeitada com recursos próprios e do BNDES", afirma ele. "Isso porque temos tradição de muito risco e instabilidade na nossa economia, o que impede as empresas de serem muito ousadas."

Na análise de Almeida, elas só rompem com essa cautela quando têm necessidade de crescer e quando o mercado de capitais se apresenta como alternativa ao crescimento. "Se o mercado lhes proporcionar algo, as empresas podem abrir mão de algum tipo de controle, de seu comando sobre o capital, e aí o processo de abrir para novos sócios e absorver mais o minoritário avança."

No caso da pulverização de capital, comum nos mercados mais desenvolvidos, a resistência das empresas locais é ainda maior. "Para que isso aconteça, tem de haver toda uma história de cultura de risco, como é o caso do capitalismo americano", avalia Almeida.

Ao elaborar a Lei das S.A. nos anos 70, o jurista Bulhões Pedreira sabia que tinha de preservar uma estrutura de capital para as companhias brasileiras que garantisse a manutenção das "empresas de dono", típicas do capitalismo tropical católico do Brasil. Por isso, ele instituiu duas classes de ações na estrutura societária: um terço de ordinárias (ON, com direito a voto) e dois terços de preferenciais (PN, sem voto), garantindo o controle político dos donos das companhias por meio do direito de voto.

Edison Garcia, superintendente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), diz que para migrar para o Novo Mercado e continuar mandando na companhia os controladores em geral têm de comprar as preferenciais. "A primeira dificuldade para as empresas migrarem, no caso das 'blue chips', por exemplo, é a quantidade de preferenciais fora das mãos do controle. Há também muita resistência à Câmara de Arbitragem e ao 'tag along'."

Segundo ele, o minoritário quer boa governança por ser um instrumento que traz redução de risco e aumento de rentabilidade. Mas, no caso das "blue chips", mesmo com o risco maior, ele pode ter uma rentabilidade maior. "Tem gente que prefere ter Vale mesmo não tendo 'tag along', pois tem uma boa liquidez. A estrutura de poder político indica que dificilmente haverá mudança de controle na companhia. Se o investidor vê nisso uma hipótese remota, ter ou não ter 'tag along' é irrelevante", destaca Garcia. (VSD e JR)

Migração esbarra na adesão à Câmara de ArbitragemDo Rio
16/11/2009
Stefan Schmeling / Valor

Para Malavazi, do Grupo Stratus, o Brasil passa por um processo de transição
Algumas empresas da velha economia apontam a adesão obrigatória à Câmara de Arbitragem como empecilho para a entrada no Novo Mercado. A câmara foi adotada como requisito "sine qua non" nas regras do segmento porque agiliza a solução de conflitos.

"Não dá para levar anos arrastando na Justiça os conflitos societários", comentou o advogado Luiz Leonardo Cantidiano, especialista em direito societário. Ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Cantidiano ajudou na criação do Novo Mercado e explicou que a arbitragem era uma peça fundamental na estrutura de um tipo de negociação que pretende dar credibilidade, agilidade e segurança aos participantes.

Edimar Facco, sócio da empresa de auditoria Deloitte, pondera que a resistência à adesão à câmara está relacionada a alguns fatores, entre eles o fato de que o sistema ainda não foi testado e, portanto, não se conhece sua eficácia na solução de conflitos.

Porém, no fim das contas, afirma Cantidiano, a questão de aderir ou não à câmara não é relevante para estas grandes empresas na hora de decidir a migração ao Novo Mercado. O que define é a necessidade de captação de recursos. "O Novo Mercado foi idealizado para as novas empresas. Foi até uma surpresa que as mais tradicionais tivessem entrado", disse Cantidiano.

Para ele, as "blue chips" são empresas "top", consolidadas. E, por terem um histórico já sedimentado no mercado de capitais, não têm dificuldade em captar recursos junto a investidores. "Acho que é mais falta de necessidade (de atrair investidores para suas ações)."

Para o vice-presidente do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), João Nogueira, o fato de empresas tradicionais não estarem no Novo Mercado tem de ser ponderado pelos investidores. "Nem todas as empresas que estão no Novo Mercado praticam a boa governança corporativa", diz Nogueira.

Empresas com restrições legais também se esforçaram em ampliar o bom tratamento aos minoritários, aumentar a transparência e conduzir o negócio de acordo com as melhores práticas de governança, como as companhias aéreas. TAM e Gol, por exemplo, estão no Nível 2, mas não podem entrar para o nível máximo porque há uma restrição legal ao capital estrangeiro - limite de 25% - no controle das aéreas.

Cantidiano lembra que a "cultura do controle é ainda muito arraigada no Brasil" e o Novo Mercado é um instrumento de democratização do capital para o qual as empresas mais antigas e tradicionais talvez não estejam preparadas.

Para o especialista Ricardo Malavazi, do Grupo Stratus, o Brasil passa por um processo de transição, daí a resistência de empresas tradicionais ao segmento. "Governança eficiente tem de olhar os riscos e apontar para os investidores claramente os resultados do negocio financeiro e operacional."

Malavazi, que foi diretor de investimentos da Petros, fundo de pensão dos funcionários da Petrobras, e participou do processo de unificação das ações da Perdigão, pondera que o recuo do controlador em um processo de reorganização societária para transformação do capital em ordinárias pode ter um impacto negativo em termos de imagem junto a credores, fornecedores e clientes. "Você não pode, em nome da governança, desestruturar a empresa de repente", afirma ele. "Sempre requer planejamento dos possíveis impactos sobre as fontes de geração de valor do negócio."

Nogueira lembra que ainda há um longo caminho a percorrer. "A crise de 2008 mostrou que (a governança corporativa no país) ainda não é uma maravilha. Por exemplo, a concentração de risco em derivativo em empresas do Nível 2 (Sadia e Aracruz) mostra que os processos falharam", diz o vice-presidente do IBGC. (VSD e JR)

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