domingo, 29 de novembro de 2009

Depósito judicial recursal trabalhista

Valor Econômico - Legislação & Tributos - 20.08.09 - E3

A exigência do depósito recursal trabalhista

Alex Sandro de Lima e Floriano Corrêa Vaz da Silva

As Constituições das democracias mais antigas, tais como a Constituição dos Estados Unidos e a da França, bem como a ordem constitucional inglesa, com a Magna Carta do Rei João Sem Terra, de 1215, garantem o princípio de igualdade de todos perante a lei, bem como o direito de acesso à justiça. Assim, por exemplo, a Constituição de 4 de outubro de 1958 da França diz no artigo 2º que a República "garante a igualdade diante da lei de todos os cidadãos sem distinção de origem, de raça ou de religião". Aliás, a divisa da República Francesa, que vem da Revolução de 1789, tem três palavras: "liberdade, igualdade, fraternidade". Do mesmo modo, as constituições e as leis, em todos os quadrantes, mormente no mundo ocidental - Europa, América do Sul e do Norte - além de Japão, Austrália e outros, garantem o acesso à Justiça, acesso este que inclui e abrange o direito de recorrer contra as decisões dos juízes do 1º grau.

A nossa primeira constituição, a Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824, dizia no seu artigo 458: "Para julgar as causas em segunda e última instância haverá nas províncias do Império as relações que forem necessárias para comodidade dos povos". As "relações" ou Tribunais da Relação transformaram-se nos Tribunais de Justiça, a partir da Constituição Republicana de 24 de fevereiro de 1891.

O princípio do duplo grau de jurisdição e o direito de recorrer subsistiram incólumes ao longo de todas as vicissitudes da nossa história, nas sucessivas Constituições de 1934, 1937, 1946, 1967, Emenda de 1969 e na atual Constituição de 1988.

Aliás, com a complexidade da atual organização do Poder Judiciário (Federal e estadual), e com a multiplicação do número de Tribunais - Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, Tribunais de Justiça dos Estados, Tribunais Regionais Federais (TRFs), Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) etc, multiplicaram-se os recursos cabíveis contra as decisões proferidas pelos seus juízes, seus desembargadores, seus ministros.

O direito de recorrer a um tribunal pode ser considerado como sendo uma das cláusulas fundamentais da Constituição, uma daquelas normas insuscetíveis de sofrer qualquer modificação ou revogação por Emenda à Constituição. Com as mais recentes decisões do Supremo, em matéria tributária, fica evidente que as interposições de recursos independem de qualquer depósito prévio, de qualquer depósito recursal.

Lembrem-se alguns dos dispositivos constitucionais em vigor desde 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. De acordo com o artigo 5º, que elenca "os direitos e deveres individuais e coletivos", a todos é assegurado "o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder" (art. 5º , nº XXXIV). Além desse e de outros incisos, é da máxima importância o inciso LV, que diz: aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, como os meios e recursos a ela inerentes.

É também um princípio, claramente decorrente da Constituição de 1988, que haja um duplo grau de jurisdição, pois só assim haverá tribunais que possam julgar os recursos inerentes aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Como dizem os ilustres juristas, Araújo Cintra, Ada Grinover e Cândido Dinamarco, o princípio do duplo grau de jurisdição é acolhido pela generalidade dos sistemas processuais contemporâneos, inclusive pelo brasileiro " , princípio este que só se efetiva se e quando o vencido apresentar recurso contra a decisão de primeiro grau.

Os princípios constitucionais mencionados e especialmente o princípio do duplo grau de jurisdição são brutalmente feridos pela exigência de depósito recursal, constante de lei extravagante e inconstitucional que veio a ser, em 1968, durante o governo militar, enxertado no texto da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943.

Esta exigência de depósito, nos recursos apresentados por réus em processos trabalhistas não só é flagrantemente inconstitucional, ao ferir o direito de defesa, o direito de recorrer e o direito à obtenção de um pronunciamento de um segundo grau (duplo grau de jurisdição). É também flagrantemente injusta, inviabilizando o direito de recorrer dos médios e pequenos empresários, dos reclamados pessoas físicas, dos réus empregadores domésticos, das empresas equivocadamente apresentadas como reclamadas ou ligadas às reclamadas. Impor um tratamento desigual a fim de se garantir uma possível igualdade, é partir de uma visão errônea de que todo aquele que é vencido, num primeiro momento, visa apenas burlar a legislação ou prejudicar o vencedor.

Importante destacar que muitas questões levadas para discussão no Judiciário, especialmente o trabalhista, trazem em seu bojo pretensões juridicamente factíveis, que justificam um reexame pelas instâncias superiores.

As injustiças gritantes decorrentes dessa flagrante inconstitucionalidade (exigência de depósito recursal) precisam ser corrigidas para que não se multiplique infinitamente o imenso número dos injustiçados e para que sejam preservadas a ordem jurídica, a vida econômica e a paz social no nosso país.

É absolutamente necessário que o excelso pretório e todos os tribunais do país examinem e proclamem a total inconstitucionalidade da exigência do prévio depósito dito recursal nos processos trabalhistas.

Felizmente, o Supremo já deu um grande passo, em decisões recentes, ao reformular profundamente sua jurisprudência, adotando o correto entendimento de que a exigência de depósito recursal para reanálise de decisões em esfera tributária viola vários princípios constitucionais - como se vê, por exemplo, do brilhante voto do Ministro Eros Grau, no RE 389.383-1/SP, em que está dito: "Senhor Presidente, parece-me, nitidamente que a exigência do depósito se desdobra na máxima fascista solve et repete".

Alex Sandro de Lima e Floriano Corrêa Vaz da Silva são, respectivamente, advogado e sócio do escritório Lima, Eneas e Palmeira Advogados; e advogado, desembargador aposentado, ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região e consultor da banca

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