segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Inicia ciclo de dispensas

Valor Econômico - Brasil - 1º.12.08 - A3
Construtoras e setor metalúrgico iniciam ciclo de demissões
Cibelle Bouças, de São Paulo

Luiz Amador da Silva trabalhou por 15 anos na Grande São Paulo, os últimos três anos na construção civil, na MVG Engenharia e Construção, de Guarulhos. Ele e a esposa estão desempregados e decidiram voltar para Lajedo, interior de Pernambuco, onde pretendem montar um pequeno negócio com o resgate do FGTS. Na quarta-feira, o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de São Paulo (Sintracon-SP) assinou a homologação da carteira de Silva. "Vou para o Norte trabalhar para mim. Deus queira que dê tudo certo", roga ele.
Marisa Cauduro/Valor
Luiz Amador da Silva, trabalhador demitido na construção civil, em São Paulo: planos para abrir um pequeno negócio
Edmilson Santos Ferreira, Manoel Zito e Gilberto Oliveira da Silva também tiveram as carteiras de trabalho homologadas no mesmo dia. Os três estavam entre sete trabalhadores demitidos pela empresa Fr Instalações e Construções, que reduziu o número de empregados. Ferreira, de 29 anos e há dez em São Paulo, decidiu passar o fim do ano em sua terra natal, Vitória da Conquista (BA) e buscar emprego na capital paulista em janeiro.
Zito também volta no Natal para Seabra (BA), na Chapada Diamantina, para visitar os familiares que não vê há oito anos, desde que veio para São Paulo. Ele e a esposa vão "se virar" fazendo bicos até conseguir um trabalho fixo. "A crise não preocupa porque o brasileiro sabe se virar de uma forma ou de outra", diz Zito. Dos trabalhadores que passaram pelo sindicato naquela tarde, apenas Silva já havia conseguido um novo trabalho, na empresa Cimatti, com o mesmo salário, próximo a R$ 800 por mês. "Ainda tem muita empresa contratando. Se Deus quiser vai continuar assim", afirmou.
Nos últimos dois anos, o setor imobiliário apresentou crescimentos superiores a 10% e fez crescer nos empregados da construção civil a confiança de que o mercado de trabalho se manteria aquecido de modo indeterminado. No entanto, a crise financeira externa, que a maioria dos trabalhadores vê pela televisão como uma realidade distante, já exerce efeitos sobre as construtoras, sobretudo as que abriram seu capital.
Os pedreiros e mestres de obra entrevistados vêem a onda de demissões no setor como mais uma redução sazonal, típica do período de chuvas. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de São Paulo, Antonio de Sousa Ramalho, vê o cenário com preocupação. Ele estima que as demissões no setor da construção civil chegarão a 100 mil postos de trabalho, que não serão recuperados no próximo ano. Esse número corresponde a 4,5% do total de empregos na construção no país, hoje estimados em 2,2 milhões.
Apenas em São Paulo, o número de homologações passou de 150 por semana em outubro para 130 por dia. A homologação só é feita quando o empregado permaneceu mais de um ano na empresa. No dia em que a reportagem do Valor esteve no Sindicato, foram efetuadas 140 homologações. "A gente sabe que muita coisa que acontece não é resultado da crise. Afinal, os apartamentos que já foram vendidos têm que ser construídos e entregues, e temos as obras do PAC e para a Copa de 2014. Existe um pouco de exagero nestas demissões e isso é ruim para todo mundo", observou Ramalho.
No setor da construção pesada, as obras seguem em ritmo normal e sem sinais de demissões, afirma o presidente do sindicato em São Paulo, Wilmar Gomes dos Santos. "As obras do PAC continuam. O Serra também diz que garante os investimentos em São Paulo. As obras em andamento devem ter continuidade, mas as que começam em 2009 preocupam", afirma Santos. O setor da construção pesada emprega 120 mil trabalhadores em São Paulo.
O impacto da crise sobre o emprego mostra-se forte em segmentos que até setembro encontravam dificuldade em preencher as vagas com pessoal qualificado. Além da construção civil, o setor automotivo, também altamente dependentes da oferta de crédito no país, inicia o ciclo de demissões.
No Rio Grande do Sul, o número de demissões homologadas pelo Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul cresceu 40% em novembro, em relação a igual mês de 2007 e chegou a 730. Para dezembro, outras 522 estavam agendadas e a entidade decidiu suspender as homologações até a reunião com o Sindicato das Indústrias Metalúrgicas da cidade, informou o vice-presidente Leandro Velho.
Segundo ele, há cerca de 48 mil metalúrgicos na região e as demissões ocorrem principalmente em empresas de médio porte, que poderiam estar usando a crise como "desculpa" para substituir funcionários por outros com salários mais baixos. O presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Oscar de Azevedo, disse que a entidade não tem números a respeito do assunto, mas há 30 dias percebeu uma redução acentuada no número de contratações, que beirava as 500 por mês. O setor, disse, vem sendo prejudicado pela dificuldade no repasse de financiamentos, inclusive do Finame.
Na região de Campinas, o Sindicato dos Metalúrgicos registrou em novembro 940 demissões em cinco empresas. O caso mais grave, diz o presidente do sindicato, Jair dos Santos, ocorreu na empresa de equipamentos de telefonia Foxconn, que anunciou o corte de 1 mil funcionários. Após paralisação da fábrica de Indaiatuba e uma rodada de negociações com o sindicato, o número foi revisto para 560. "Agora a fábrica entra de férias e, pelo menos até janeiro, se se comprometeu a não efetuar outros cortes", informa Santos.
O sindicalista observa que o primeiro sintoma da crise foi o fim da realização de horas extras e o anúncio das férias coletivas, que não eram adotadas pelas empresas da região desde 2002. "A indústria metal-mecânica está globalizada no processo produtivo. A crise na montadora da GM nos Estados Unidos afeta diretamente a produção no Brasil. A crise da Sony Ericsson na Europa afeta a produção de componentes feita aqui na região", argumenta Santos.
Na Bahia, onde 30% da produção é voltada para exportações, o anúncio das férias coletivas também foi recebido com receio pelos 8,8 mil metalúrgicos. Marcos Vinicius Pereira dos Santos, diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Camaçari, observou que ainda não há indício de cortes, mas a produção de automóveis, que era de 912 unidades/dia, já teve redução drástica.
Em Taubaté (SP), informa o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, Isaac Jarbas do Carmo, a maioria das fábricas de autopeças já iniciou ou enviou aviso de férias coletivas por conta das férias anunciadas por Renault e General Motors. "As empresas estão preferindo não renovar o contrato dos trabalhadores temporários, que tinham expectativa de efetivação", observa. No ABC, ainda não há indicativos de demissões, segundo o Sindicato dos Metalúrgicos.
No Rio de Janeiro, as empresas do setor de metalurgia começam a reduzir investimentos e as jornadas de trabalho, diz o presidente da Força Sindical no Estado, Francisco Dal Prá. "Um problema sério no Rio é a construção naval. Em Niterói e no Rio há ameaças de demissões", ressalta. A Força Sindical vai se reunir com Petrobras, BNDES e governo para negociar a vinda de investimentos no setor naval para o Estado. O setor gera no Rio de Janeiro 20 mil empregos diretos.
Até o mercado de estágios foi influenciado pela crise financeira e por uma mudança na legislação em setembro, que garante aos estudantes além da bolsa-auxílio, o direito a férias e ao auxílio-transporte. Segundo o Núcleo Brasileiro de Estágios (Nube), houve redução de 60 mil vagas em outubro em relação a setembro, para 1,04 milhão em todo o país. "Novembro talvez tenha um resultado pior. O mercado está muito conservador. As empresas estão congelando vagas e existe uma mistura de problemas", afirma Carlos Henrique Mencaci, presidente do Nube.
Além da instabilidade financeira, ele observa que a lei obriga as empresas a ter um número de estagiários do ensino médio equivalente a no máximo 20% do total de trabalhadores. "Isso impactou muito as pequenas e médias empresas, que têm estagiários acima desse percentual", diz. (Colaborou Sérgio Bueno, de Porto Alegre)

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