segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Crise dificulta negociação salarial

Valor Econômico - Brasil - 1º.12.08 - A3

Crise já dificulta negociação salarial
De São Paulo

O mercado de trabalho brasileiro viveu crescimento vigoroso a partir de 2004, com a criação de 6,63 milhões de empregos formais até outubro deste ano, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). A busca por profissionais qualificados tornou possíveis reajustes salariais com ganhos de até 5% acima da inflação ao longo do ano.
O agravamento da crise externa e a desaceleração do crescimento econômico brasileiro no quarto trimestre dificultam a negociação de reajuste salarial de categorias que têm data-base agora. Os trabalhadores do setor de aviação, que têm data-base em 1º de dezembro, ainda não conseguiram um acordo com as empresas. A proposta inicial dos empregados foi de reajuste de 13%, sendo 5,5% de ganho real. O sindicato patronal ofereceu aumento de 5% em dezembro e o reajuste relativo à inflação em junho de 2009. A proposta foi rejeitada e decretado estado de greve a partir de 1º de dezembro. "Estamos propondo agora reajuste de 10% e temos nova rodada de negociação em 9 de dezembro", afirma Celso Klafke, presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores em Aviação Civil (Fentac/CUT).
Para os empregados da indústria calçadista de Franca, que têm data-base em 1º de fevereiro, o cenário preocupa. O setor emprega 28 mil trabalhadores na região e demite número mais significativo de profissionais em dezembro, quando as fábricas entram em férias coletivas. "No ano passado foram 1.706 homologações em dezembro e estávamos em um ano bom", afirma o presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Calçados de Franca, Paulo Afonso Ribeiro. Ele explica que as fábricas mantém número reduzido de funcionários, retomando as contratações em fevereiro. "Só vamos saber o efeito da crise no setor o ano que vem. Duro é negociar salário nessas condições."
Conforme Ribeiro, nos últimos oito anos os calçadistas obtiveram ganhos reais em todas as negociações, sendo que em 2007 o aumento real foi de 2,28%. "Além da questão da crise, vamos fechar o ano com inflação de 5,8% a 6% e quanto maior a inflação, pior para negociar aumento real", afirma.
O Sindicato da Indústria de Calçados de Franca informou, por meio de sua assessoria, que ainda não tem previsão do número de demissões neste fim de ano e a perspectiva é que a crise só atinja o segmento a partir de fevereiro. Os calçadistas da região exportam 20% da produção. De janeiro a outubro, o setor exportou 3,969 milhões de pares, 14,7% menos que em igual intervalo do ano passado, mas a receita cresceu 3,37%, para US$ 113,1 milhões, em função do reajuste do preço médio de US$ 23,52 para US$ 28,49.
No segmento de autopeças, no Paraná, não houve acordo entre o Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba e o patronal. Agora, as negociações estão sendo fechadas empresa por empresa, com ganho real entre 3% e 3,6%. Em São Paulo, os 15 mil metalúrgicos dos setores de lâmpadas, material bélico, estamparia, equipamentos odontológicos, entre outros, aprovaram em novembro reajuste de 10,48% (3% de aumento real). No setor elétrico, os reajustes foram de 6,5%, com ganho real de 1,09%, à exceção da Emae, que concedeu apenas reposição da inflação.
No setor químico, os trabalhadores obtiveram reajuste de 10,8% para o piso (ganho real de 3,45%), e de 9%, com aumento de 1,77% sobre o INPC, para os salários acima do piso, segundo a federação dos trabalhadores do setor em São Paulo. A Federação dos Empregados no Comércio do Estado de São Paulo fechou em novembro um acordo com ganho real de 1,85% e reajuste total de 9%. No setor alimentício, trabalhadores das indústrias fecharam em novembro acordo com reajustes entre 8,5% e 12%, informou o Sindicato dos Trabalhadores na Alimentação de São Paulo. O Sindicato dos Padeiros de São Paulo também obteve para a categoria acordo favorável, de 10%, com aumento real de 2,55%.
O consultor sindical João Guilherme Vargas Neto considera que existe um pouco de exagero por parte das construtoras e empresas metalúrgicas que optaram por demissões. "As férias coletivas deste ano são simétricas às férias do ano passado. Existem certos bolsões onde o efeito da crise já se manifesta, mas os números dessazonalizados de emprego, varejo, produção se mantêm sustentados", pondera.
O supervisor do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), José Silvestre Prado de Oliveira, observa que o efeito da crise, já observado nos setores da construção e metalúrgico, pode se alastrar para outros elos da cadeia, como siderurgia, química e cimento. "Por enquanto, mais do que demissões, o que tem ocorrido são férias coletivas e redução da carga horária."
Silvestre observa que boa parte das contratações com carteira assinada nos últimos anos decorreu da formalização da mão-de-obra. "As empresas hoje são bem mais enxutas do que na década passada. Tem menos gente trabalhando. Hoje é mais difícil demitir do que no passado", avalia. (CB)

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