domingo, 27 de junho de 2010

Capacitação e obrigação de permanecer na empresa

Valor Econômico - EU & Carreira - 25.06.2010 - D10

Recursos humanos: Contratos têm objetivo de assegurar o retorno do investimento para a companhia.
Por MBA, funcionário assume compromisso de não deixar empresa


Por Jacilio Saraiva, para o Valor, de São Paulo
25/06/2010

Ana Paula Paiva/Valor

O sonho de todo executivo comprometido com a carreira é fazer cursos de formação. Se eles forem pagos pela empresa onde trabalham, melhor ainda. Mas a maioria das grandes companhias que subsidia MBAs ou baterias de pós-graduação deseja que o funcionário se comprometa a permanecer no quadro após o treinamento, para devolver à corporação o que aprendeu nos bancos das escolas. O compromisso pode ser selado por um contrato ou um acordo verbal. Em alguns casos, o colaborador deve devolver à empresa parte do investimento feito na capacitação se pedir demissão antes do prazo combinado.

Organizações como Nokia, Bayer, Totvs, Aliança do Brasil e Souza Cruz, que subsidiam hoje até 100% de cursos para mais de 280 funcionários, pedem alguma contrapartida para o empregado em formação. Os executivos não reclamam do acordo. "Acho justo que a empresa que investe no meu crescimento exija algo em troca", diz Jean Claude Villari, gerente de operações da seguradora Aliança do Brasil. Villari atualmente faz o segundo MBA patrocinado pela empresa - em dez anos de casa, já foi beneficiado com cursos avaliados em R$ 45 mil.

Para Rodrigo Vianna, gerente da consultoria de recursos humanos Hays, especializada no recrutamento de profissionais para média e alta gerência, é comum entre as companhias exigir do funcionário que ganha um curso subsidiado um termo de compromisso formal. "Geralmente, o executivo se compromete a continuar na empresa por, pelo menos, mais dois anos", diz.

Villari, por exemplo, assinou um contrato e deve permanecer na Aliança do Brasil pelo mesmo tempo de duração do MBA, após o final do curso. "Se eu sair da empresa, preciso devolver o investimento." O gerente já fez um MBA Executivo com duração de dois anos, que teve 80% do valor subsidiado, e até o final do ano conclui um outro curso, voltado para a área de seguros. "Não poderia arcar sozinho com os custos". O primeiro MBA tinha mensalidades de até R$ 2 mil e ele ganhou o benefício graças ao tempo de serviço, pela aplicabilidade do treinamento no dia a dia do escritório e por conta de uma boa avaliação de desempenho. A partir de 2011, planeja ingressar em um mestrado e vai pleitear um novo apoio financeiro. "É preciso buscar atualização constante".

Nos últimos dois anos, na Bayer, 65 funcionários estiveram em um MBA ou numa pós-graduação subsidiados pela empresa. "Atualmente, 19 colaboradores fazem cursos com o suporte da organização", afirma Elisabete Rello, diretora de RH do Grupo Bayer, com 3,8 mil empregados no país. A companhia concede um subsídio de 60% para pós-graduação e de 70% em cursos de MBA para executivos com pelo menos dois anos de trabalho.

"A Bayer não exige formalmente uma contrapartida", diz Elisabete. "Contudo, há a expectativa de que o funcionário permaneça na empresa o tempo suficiente para aplicar o conhecimento adquirido na função. Em média, esse processo dura de dois a três anos." Atualmente, a companhia estuda a expansão do programa de educação para mestrados e doutorados e quer ampliar o grupo de colaboradores elegível à oferta.

Na Nokia, que banca cursos de MBA e de pós-graduação desde 2002, a contrapartida para oferecer o subsídio é que o colaborador fique na empresa por pelo menos um ano após o término das aulas. "O critério para receber a ajuda é a aplicabilidade do curso no trabalho e como a formação vai ajudar no planejamento da carreira do executivo, a médio prazo", explica Fábio Ribeiro, diretor de RH para a Nokia na América Latina.

A companhia tem 1,7 mil funcionários no Brasil e subsidia até 50% do valor dos cursos. "Se tenho um gerente de vendas que tem de ser hábil não só em vendas, mas em gerir negócios, um MBA vai ser muito útil", diz. "Devemos identificar o benefício direto tanto para o colaborador como para a organização."

Na Souza Cruz, com 7,5 mil funcionários, 19 executivos estão fazendo MBAs ou pós-graduações subsidiados em até 80%. Segundo a gerente de RH Carla Neves, depois de receber o diploma, o participante deve desenvolver "um projeto que agregue valor à organização, com propostas de inovação ou melhoria em alguma área da companhia."

Para ganhar o subsídio, é necessário ter dois anos de casa e estar mapeado como sucessor para posições estratégicas. "Além de considerar importante a contribuição no desenvolvimento em gestão, consideramos a formação profissional importante na atração e retenção de talentos."

Na Totvs, empresa de tecnologia com 9 mil funcionários, 246 executivos estão matriculados em cursos de MBA ou pós-graduação subsidiados. "Em 2009, 435 participantes receberam ajuda para treinamentos do gênero", afirma Maria de Fátima Albuquerque, diretora de relações humanas da companhia. O subsídio varia de 50% a 100% e, ao se inscrever no programa, o participante se compromete a ser aprovado por nota e frequência. Além disso, ele deve usar um case da Totvs no trabalho de conclusão do curso (TCC). "Não há um contrato firmado, apenas uma concordância com as premissas da empresa." Fátima já estuda acabar com o tempo mínimo de um ano de casa para que o participante possa receber o apoio financeiro.

Em Manaus, o gerente de comunicação da Nokia, Paulo Ariel, vai concluir em seis meses um MBA em gestão empresarial. Com o crachá da empresa há quatro anos, paga 50% do curso. O executivo assinou um contato com a companhia e deve permanecer no quadro um ano após o término das aulas. Se quebrar o contrato, deve restituir metade do valor investido.

Para ele, a medida é uma forma de aumentar o comprometimento com a organização. "Não me sinto preso. A direção aposta em mim e existe um plano de carreira desenhado. Desde que comecei o MBA, consigo entender melhor a gestão de projetos na companhia" , diz.


Executivo pode ter que devolver o valor investido no curso


De São Paulo
25/06/2010

Quando uma empresa subsidia a formação de um funcionário, entende-se que esse profissional tenha sido identificado como um talento que a companhia deseja manter. Portanto, de acordo com Márcia Vazquez, consultora da Thomas Case & Associados, especializada em gestão de carreira, o investimento não é apenas financeiro. "Provavelmente há expectativas e projetos para essa pessoa dentro da organização pelos próximos cinco anos", afirma.

Segundo a advogada Ana Paula Vizintini, sócia da área trabalhista do escritório Trench, Rossi e Watanabe, a maioria dos empregados cumpre o período acordado com as empresas para permanecer nos quadros após a conclusão do MBA. Mas quando o funcionário toma a iniciativa de se desligar antes do prazo previsto, as companhias exigem a devolução dos valores investidos. "Caso a saída seja em razão de um novo convite de trabalho, a futura contratante pode conceder uma bonificação de admissão para que ele possa reembolsar a empresa que ofereceu o curso." Além disso, segundo André Polinésio, sócio do escritório Peixoto e Cury Advogados, a corporação também pode prever no contrato de permanência observações como a necessidade de nota mínima no curso e frequência. "Trata-se de um acordo específico, que fará parte do contrato de trabalho."

Para os especialistas, antes de assinar um termo de compromisso, deve-se tomar algumas precauções. "É preciso ler atentamente o contrato, verificar o valor do curso e quanto será cobrado de reembolso caso o funcionário peça demissão antes de terminar o MBA", ressalta Rodrigo Vianna, da Hays.

Segundo o consultor, o pagamento de um curso também é uma ferramenta que as empresas utilizam para reter profissionais. "A iniciativa mostra que a companhia se preocupa em investir no funcionário a longo prazo e cria um vínculo emocional. Compete ao executivo decidir quanto tempo ficará lá por conta disso."

Para Marcia Vazquez, nesse caso, um compromisso informal ou "moral" pode funcionar melhor do que um contrato de permanência escrito. "Trata-se de um acordo baseado no caráter dos dois lados - empresa e funcionário - o que faz com que exista um comprometimento maior entre as partes. O empregador quer deixar claro para o profissional que ele faz parte do time e que há interesse em mantê-lo."

O mais correto, segundo a consultora, é não sair imediatamente do emprego após o curso, mas nenhum profissional deve fincar raízes apenas por causa de um treinamento. "Isso seria decretar a estagnação de uma carreira e a queda de performance dentro da companhia. E a própria organização pode entender que, após o MBA concluído, por conta de outros planos, o profissional não deva seguir mais no quadro."

De acordo com Vianna, não existe um tempo determinado para que o funcionário possa deixar a empresa após o curso sem "queimar o filme" com a diretoria e com o mercado. "Recomendamos aos executivos que querem se recolocar que mostrem ao empregador que os investimentos valeram à pena e que ele cumpriu um ciclo", diz. (JS)

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