sábado, 17 de outubro de 2009

Novo sindicalismo

Valor Econômico - Brasil - 16, 17 e 18.10.09 - A5

Sindicalismo: Em uma inversão de papéis, acordos salariais melhores em outras cidades ajudam base da CUT
Fuga do ABC reforça novas correntes sindicais


João Villaverde, de São Paulo
16/10/2009

Ana Paula Paiva/Valor

Sergio Nobre, do sindicato do ABC: "Nós não podemos dar um tiro no pé"
Em ano de produção e comercialização recorde de veículos automotores, a campanha salarial dos metalúrgicos trouxe uma inversão de papéis. Acostumado a ditar as regras, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, filiado à Central Única dos Trabalhadores (CUT), fechou acordo com as montadoras que previa aumento real de 2% e abono de R$ 1.500,00. Diante de conquistas maiores de sindicatos em outras regiões de São Paulo, filiados à diferentes centrais, o sindicato do ABC correu atrás e renegociou o abono para R$ 2.800,00.

O primeiro acordo a pressionar os metalúrgicos do ABC foi o conquistado em Campinas, que acertou 10% de reajuste, com aumento real de 5,32%, acordado com duas fábricas, Honda e Toyota. Em seguida, o sindicato dos metalúrgicos de São José dos Campos conquistou, por intermédio do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), acordo de 8,3%, com aumento real de 3,7%, mais abono de R$ 1.950,00. Os trabalhadores em Taubaté, onde o sindicato é filiado à CUT, voltaram atrás no acordo inicialmente proposto pelo ABC e iniciaram greve de 24 horas na Volks e na Ford. Um novo acordo foi aprovado em assembleias realizadas já em 1º de outubro, com abono extra de R$ 1.300,00.

"O acordo fechado em Campinas foi determinante para a revisão do abono nas regiões do ABC e Taubaté. Foi uma demonstração muito clara de que os trabalhadores dessas regiões não ficaram satisfeitos com a proposta anterior", afirma Jair dos Santos, presidente do sindicato dos metalúrgicos de Campinas, onde o acordo com as montadoras foi conquistado sem abono salarial. "Quando você troca o ganho real, que será adicionado ao salário mensal por 13 meses, por um volume de dinheiro que servirá apenas no curto prazo, não está aumentando nada", critica Santos, lembrando que no próximo ano ele não vai compor a base para o novo reajuste.

O sindicato de Campinas é filiado a Intersindical, uma dissidência da CUT, desde 2007. Em Campinas, como em São José dos Campos (Conlutas), a direção sindical é formada fundamentalmente por ex-membros e líderes da CUT, ligada ao Partido dos Trabalhadores (PT), partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

"Os sindicatos ligados à CUT fazem muitas concessões às empresas porque apoiam o governo federal. Não querem fazer greves, que podem trazer melhores condições aos trabalhadores, para não criar constrangimentos", afirma Luis Carlos Prates, secretário-geral do sindicato dos metalúrgicos de São José dos Campos. Para ele, a política da CUT abre mais concessões às montadoras. "Eles passaram a ter uma concepção de que é possível resolver juntamente com patrões e governo as demandas trabalhistas. Não foi um problema de acomodação, mas simplesmente uma lógica diferente de prática sindical, mais conciliadora", diz Jair dos Santos, de Campinas. Para os dirigentes de movimentos dissidentes, como Conlutas e Intersindical, o sindicato do ABC teme que reajustes elevados possam afastar empresas da região.

Sergio Nobre, presidente do sindicato dos metalúrgicos do ABC, afirma que é preciso levar em conta as diferenças salariais entre regiões no Estado e no país. "Por conta de sucessivas campanhas salariais com reajustes acima da inflação, que outros sindicatos não conseguiam obter, nós ficamos com uma diferença salarial enorme quando comparada com outras regiões de São Paulo e mesmo outros Estados, como Paraná e Minas Gerais", afirma. O ABC, segundo Nobre, não pode, a cada campanha salarial, "se distanciar cada vez mais da realidade brasileira e se tornar uma ilha".

Para ele, é salutar que outras regiões alcancem reajustes maiores para diminuir a margem de custos trabalhistas, e assim reduzir a pressão que salários menores em outras regiões exercem sobre a administração das montadoras. "Nosso papel é avançar nas conquistas, mas ao mesmo tempo não podemos dar um tiro no pé. Queremos uma classe bem remunerada, mas, principalmente, com futuro".

A partir dos anos 90, as montadoras escolheram regiões fora do eixo tradicional para os novos investimentos. Fábricas foram construídas em Indaiatuba (Toyota), Sumaré (Honda), Curitiba (Volkswagen, Renault), Gravataí (GM) entre outras regiões. Além dessas, a Fiat, instalada em Minas Gerais desde os anos 70, indicava um caminho a ser seguido pelas montadoras: territórios com pouca organização sindical e custos mais baixos. Esse movimento das empresas foi determinante para a mudança de organização sindical e, assim, serviu de origem para as dissidências políticas e partidárias.

"Essa competição para ver quem conseguiu acordo maior é besta. Por que os sindicatos no Brasil, com tantas diferenças regionais e salariais, têm de ter o mesmo reajuste? Não faz o menor sentido", afirma Nobre. Para ele, o que separa a atuação sindical é a aceitação de práticas modernas, que ampliam os espaços de negociação com montadoras e governos.

Há uma discussão intensa sobre práticas sindicais no Brasil, avalia o professor de sociologia da Unicamp, Ricardo Antunes. Os metalúrgicos do ABC adotam organização baseada nas câmaras setoriais dos anos 90, fundamentados no modelo de negociação tripartite. "Tentam demonstrar que, de alguma forma, são parceiros das empresas, na ânsia de evitar que o ABC se transforme numa Detroit brasileira", afirma Antunes, lembrando a crise porque passou a cidade americana nos anos 80, quando a competição com fábricas alojadas em outras regiões e países lançou a "capital do automóvel" em recessão.

O outro modelo de sindicalismo, que disputa com a CUT-ABC, é o que busca o confronto com os sindicatos patronais, fundamentado na mobilização de base. "Este sindicalismo, presente em Campinas e São José dos Campos, por exemplo, manteve a organização que o ABC e a CUT tinham nos anos 70 e 80, que sofreu mutações nos últimos anos", avalia Antunes. Centrais e movimentos criados recentemente, como Conlutas e Intersindical, são dissidências de esquerda da CUT, e o abandono às origens coincidiu com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República, em 2002, que atrelou ainda mais a Central Única dos Trabalhadores ao Estado.

Para Miguel Torres, presidente do sindicato dos metalúrgicos de São Paulo e Mogi das Cruzes, os acordos trabalhistas elevados servem como demonstração de que a indústria automobilística está bem, com produção e vendas em alta. "Em Curitiba, as greves ajudaram a conquistar ótimos reajustes", diz. Torres afirma ser importante que acordos maiores sejam conquistados no Paraná, "onde os salários são menores".

Os sindicatos dos metalúrgicos de São Paulo e Paraná são filiados à Força Sindical, aliada política do governo federal. "Se não fosse a política de aumento do salário mínimo, não teríamos o mercado interno forte, sustentando a economia brasileira, e assim não teríamos esses resultados nas montadoras", afirma.
No passado, brigas eram maiores, dizem aposentados

No passado, brigas eram maiores, dizem aposentados
De São Bernardo do Campo
16/10/2009

Eles nasceram no primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945) e começaram a trabalhar nas montadoras de São Bernardo do Campo (SP) pouco depois da chegada da indústria automobilística no Brasil, no governo Juscelino Kubitschek (1956-1960). Eram metalúrgicos quando veio o golpe militar em 1964, e continuaram na ativa durante o auge do movimento sindical, anos 70 e 80. Aposentados na década de 1990, hoje lutam para melhorar os benefícios do plano de saúde e veem com reservas a atuação sindical do presente.

Em assembleia da Associação dos Metalúrgicos Aposentados (AMA) na quadra Celso Daniel, na última sexta-feira de setembro, cerca de mil metalúrgicos e sindicalistas do passado anotavam as mudanças no novo convênio médico. Mensalidades de R$ 5 são suficiente para as críticas à AMA, que segue as diretrizes do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.

Para os aposentados abordados pelo Valor, há maior "conformismo" no sindicato. Um metalúrgico aposentado em 1998 após 36 anos de trabalho nas fábricas da Willys e da Ford aponta a "mudança de perfil do sindicato". "Não é mais a mesma coisa que era na década de 1970", diz. "O sindicato era bem mais forte. Antigamente oferecia cursos e atividades, mas isso foi acabando", afirma outro aposentado, após 30 anos e nove meses de serviço na Volkswagen. Ambos não quiseram se identificar.

José Fernandes foi membro da segunda diretoria do sindicato do ABC, eleita em junho de 1963. O sindicato, recorda, era muito atuante. "O líder na época era Orisson Saraiva, que também era o secretário-geral do Partido Comunista de São Bernardo. Havia mobilização e a atuação junto às montadoras começava a se fortalecer", afirma. Depois de eleito, Fernandes foi retirado da Willys, onde ingressara em 1958 para operar o câmbio e testar os motores, no fim da linha de montagem.

Na direção do sindicato, Fernandes participou de um congresso de sindicalistas em Pernambuco, que decidiu enviar alguns dirigentes para expedição na União Soviética. Embarcou em 29 de fevereiro de 1964, chegando na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) quatro dias depois. Estava na URSS quando ocorreu o golpe militar no Brasil, e seu mandato foi cassado. A viagem que duraria 90 dias se estendeu por quase dois anos, quando, clandestino, retornou ao país para trabalhar no comércio, em Marília (SP).

Foi apenas com a anistia, em 1979, que Fernandes retornou a São Bernardo e às montadoras. Estava na Willys durante as greves que marcaram o período, surgimento de Lula como líder sindical do ABC. De lá para cá, a relação entre o sindicato dos trabalhadores e os sindicatos patronais se alterou. "Agora é muito mais fácil atuar dentro do sindicato do que na minha época. Hoje tem comissão dentro das fábricas, negociação continuada", avalia. "O sindicato está mais 'na boa'. O ABC se acalmou um pouco com o tempo".

Para Sérgio Nobre, presidente do sindicato dos metalúrgicos do ABC, comparar épocas é equivocado para avaliar a atuação sindical. "Nos anos 70, não havia espaço para resolução de conflitos e demandas dos trabalhadores. Não havia negociação. Nem o próprio Lula negociava, quem agia era o departamento jurídico, e mesmo assim era uma luta para conseguir ser recebido pelas fábricas", afirma.

Os três filhos de José Fernandes, que é vice-presidente da AMA, são metalúrgicos. Mas, diferentemente do pai aposentado, nenhum deles atua junto a sindicatos. (JV)

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