sexta-feira, 3 de julho de 2009

Medidas trabalhistas polêmicas

Valor Econômico - Internacional - 02.07.09 - A13

Crise: Casos na Europa vão de trabalho grátis até licença de cinco anos com salário reduzido
Empresas evitam demissões com medidas criativas, mas polêmicas
Marcos de Moura e Souza, de São Paulo

Trabalhar de graça por um mês, ficar de licença por até cinco anos recebendo um terço do salário ou trocar temporariamente uma função nobre por um trabalho braçal. Pressionadas pela crise e pela queda nos ganhos, empresas de todo o mundo apresentaram nas últimas semanas a seus funcionários soluções heterodoxas para cortar custos evitando, porém, demissões. Soluções que em alguns casos pecam, segundo entidades sindicais, por não terem sido fruto de negociação ou que, afirmam elas, beiram a coação.
O caso possivelmente mais criativo e criticado parece ter sido o da British Airways. A empresa aérea pediu a seus funcionários que se voluntariassem a trabalhar por um mês sem receber nada. O CEO da companhia, Willie Walsh, disse no mês passado que a ideia representava uma "luta pela sobrevivência". Ele mesmo tentou dar o exemplo prometendo que diria "não, obrigado" ao salário de julho. Walsh ganha £ 61,2 mil (cerca de US$ 97 mil) por mês.
O sindicato britânico Unite acusou a empresa de tentar colocar os trabalhadores contra a parede. Segundo a entidade, os funcionários receberam e-mails da alta gerência pedindo que se voluntariassem ao trabalho gratuito. No fim, apenas 800 abraçaram a ideia; cerca de 4 mil aceitaram licenças não-remuneradas e 1,4 mil concordaram em trabalhar por meio período.
"Uma das críticas a soluções desse tipo é que não são soluções negociadas. E, além do mais, não é adotando medidas à la carte que uma empresa resolve problemas do período de crise. Essas soluções podem ajudar pontualmente algumas companhias, mas não são sustentáveis", disse ao Valor por telefone a portuguesa Maria Helena André, secretária-geral-adjunta da Confederação Sindical Europeia (Etuc, na sigla em inglês).
A Etuc congrega confederações sindicais da Europa e é a interlocutora sindical reconhecida pela União Europeia. Medidas com impacto social adotadas pelo bloco têm de passar pela consulta da Etuc e da Business Europe, a entidade patronal europeia.
Segundo Maria Helena, a visão da entidade é que todas as medidas adotadas pelas empresas para salvaguardar empregos são bem vindas. "Mas no que insistimos é que os trabalhadores sejam consultados sobre a melhor solução para ambos os lados."
Além da British Airways, outra proposta recente de preservação de empregos baseada no encolhimento do contracheque foi feita pela banco espanhol BBVA. O banco ofereceu pagar um terço dos salários dos funcionários mais antigos que aceitem sair de licença por até cinco anos. Ofereceu também um regime de semana mais curta, com salário menor.
Entre as soluções heterodoxas, ao menos uma foi bem recebida pelos sindicatos. Em maio, a companhia aérea KLM pediu a pilotos ajuda para trabalhos em terra, uma vez que o número de voos diminuiu e muitos deles estavam ociosos. A ideia da empresa era economizar na contratação de funcionários temporários no verão europeu. Assim, abriu aos pilotos a "oportunidade" de conhecer os bastidores da empresa. Algumas das vagas oferecidas eram de "agente de bagagens" (eufemismo para carregador de malas pesadas de passageiros antes do embarque) ou recepcionista nas salas de embarque da primeira classe. A empresa deu ainda aos pilotos a opção da continuar em folga.
Nos dois casos (licença ou trabalho operacional) os pilotos recebem seus salários normais. E justamente por essa razão, o sindicato dos aplaudiu a medida. O sindicato estimava em junho que apenas 100 dos 2 mil pilotos da empresa aceitaram o pedido de ajuda.

Operário alemão teme que corte de salário não baste
De Berlim0

Marcos de Moura e Souza
Fendt, funcionário da Mercedes em sua casa em Berlim: 400 euros a menos por mês
Após 40 anos de Mercedes Benz, Detlef Fendt recebeu no começo do ano uma boa e uma má notícia. A boa notícia era que apesar da crise e da retração da demanda mundial, apesar dos cortes na produção da fábrica da montadora em Berlim, seu emprego estava garantido. A Mercedes assumia o compromisso de não demitir nenhum funcionário até meados de 2010.
A má notícia: em troca de manter a mão de obra em tempos difíceis, a empresa iria reduzir a jornada de trabalho e os salários. Fendt, que divide as contas de casa com a mulher, teve um corte de quase um quarto do sua renda. Descontados impostos e contribuições, esse berlinense de 57 anos levava antes para casa € 1.700 por mês. Mas desde janeiro, seus vencimentos foram enxugados em cerca de €400.
Fendt entrou, assim, para um exército 1,25 milhão de trabalhadores alemães que vivem hoje sob o sistema chamado de kurzarbeit (curto trabalho, literalmente, que implica menos horas de trabalho). Além da Mercedes, Audi, Ford, VW e BMW estão no sistema. Muitas das empresas que fornecem peças para indústria automobilística também aderiram. A Deutsche Bahn, empresa de transporte ferroviário adotou o esquema na sua divisão de transporte de cargas.
O sistema é simples: o governo federal isenta, por certo período, as empresas de pagar ao Estado a contribuição referente ao sistema de saúde, aposentadoria e seguro-desemprego. O Estado assume a conta. Em contrapartida, a empresa se compromete a não demitir funcionários no período do benefício, mas está livre para reduzir a jornada de trabalho e os salários. Para o governo, a saída evita uma explosão na taxa de desemprego - hoje em 8,1%, ou 3,4 milhões de pessoas - e contém os gastos com seguro-desemprego. Para as empresas, é uma forma de manter seu quadro e não precisar correr para contratar novos funcionários quando a economia começar a dar sinais de reaquecimento.
O sindicato de Fendt, o poderoso IG Metall - o que reúne os metalúrgicos da Alemanha - não teve outra alternativa se não topar o corte salarial de cerca de 90% dos funcionários da fábrica da Mercedes Benz em Berlim. Fendt é o representante sindical na fábrica.
"O sindicato teve de fazer concessões, aceitando, por exemplo, salários mais baixos", disse Fendt ao Valor no início de junho, quando recebeu a reportagem em seu apartamento no segundo andar de um conjunto de prédios baixos na Parchimer Alle, rua tranquila e plana na antiga Berlim Ocidental.
Fendt trabalha no setor de ferramentaria da fábrica. Sua jornada semanal era de 37,5 horas. Agora é de 35 horas. O corte salarial foi desproporcional à redução das horas trabalhadas. Durante as negociações que antecederam o início do período de kurzarbeit na Mercedes, em janeiro, o sindicato tentou forçar a empresa a pagar um soma extra de €900 como compensação para o período de enxugamento salarial. Não colou. Mas a empresa aceitou pagar o valor com 5% de juros em julho de 2010, quando promete voltar ao ritmo normal.
"Se não tivessem feito esse esquema de kurzarbeit, teriam de ter cortado 30% dos trabalhadores. Mas com as negociações mantiveram os funcionários e ficamos com o crédito de 900 euros." Mas seu otimismo dura pouco. "Essa situação de agora era previsível. E a minha previsão e a dos meus colegas é que esse é o começo do fim .Todos estamos conscientes de que depois de 2010 haverá corte de vagas."
Essa é a segunda vez que Fendt se vê nessa situação de trabalhar e ganhar menos. A primeira foi em 1996. Mas, segundo diz, o corte atual é bem mais severo. Se a redução salarial pesou no fim do mês? "Com 400 euros a menos, não tive como não fazer cortes em casa. Foi uma redução significativa."
O sistema de kurzarbeit não é novo na Alemanha. Em crises anteriores, a receita já tinha sido usada. E, no começo dos anos 90, quando muitas empresas da recém-extinta Alemanha Oriental fecharam, o governo criou o esquema de kurzsarbeit-null (algo como redução total de trabalho) no qual bancou por um período os salários dos trabalhadores sem emprego.
A diferença é que agora a crise mundial levou o governo da premiê conservadora Angela Merkel a encorajar mais as empresas do país a aderir ao programa. O governo, que no ano passado se propunha a subsidiar por seis meses o sistema de kurzarbeit, ampliou em junho esse prazo para dois anos.
Do ponto de vista dos trabalhadores, a vantagem óbvia é a garantia de emprego. A desvantagem, ou o risco, diz Fendt, é que "depois da crise, eles cheguem à conclusão que podem continuar produzindo com menos gente e continuem assim, com menos funcionários."
No começo do ano, a Agência Federal do Trabalho alemã estimou que o custo para manter o esquema este ano seria de € 1,5 bilhão. O valor certamente será maior devido ao crescente número de trabalhadores e empresas que estão aderindo ao modelo. A mesma agência calcula que o governo gasta aproximadamente € 500 milhões para cada 100 mil trabalhadores no esquema de kurzarbeit.
Para uma economia que deve encolher algo perto de 6% este ano e que registra uma sucessiva queda na arrecadação, a conta dos trabalhadores com jornada reduzida é um peso a mais no Orçamento.
Mas o cobertor do kurzarbeit deve render dividendos políticos a Merkel nas eleições parlamentares de setembro. Fendt, um marxista convicto, acredita - e lamenta - que, apesar da crise, muitos trabalhadores que de algum modo estão sendo beneficiados vão votar para a coalizão governista. "Eles têm confiança no governo, acham que o governo adotou algumas medidas erradas, mas que vai superar os problemas."(MMS)

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