sexta-feira, 20 de março de 2009

Intervenção no sindicato: limites e possibilidades

Sindicato. Medida cautelar. Autonomia sindical. Relação entre sindicato e federação. Limites de intervenção do Poder Judiciário. Considerações da Juíza Rilma Aparecida Hemetério sobre o tema. CF/88, art. 8º, I, II e IV.
«... E isto porque o artigo 8º da Constituição Federal vigente consagrou a liberdade sindical como um de seus principais primados (inciso I). Assim, desde 1988, é vedado ao Poder Público interferir ou intervir na organização de tais entidades. Nesta mesma esteira segue a doutrina. Na obra «Direito Sindical Brasileiro - Estudos em Homenagem ao Prof. Arion Sayão Romita» (Editora LTr, 1998), coordenado pelo Professor Ney Prado, um dos colaboradores, o próprio signatário da ação cautelar, Dr. José Francisco Siqueira Neto, depois de alertar que o estudo da autonomia sindical, expressamente regulada na Convenção nº 87, da OIT, está necessariamente vinculado à liberdade sindical (página 217, primeiro e segundo parágrafos), traça um perfil geral acerca de como o instituto era visto no Brasil no interregno compreendido entre 1888 e 1930, no qual os conceitos do liberalismo econômico prevaleceram sobre os do intervencionismo estatal, havendo, pois, escassas leis que versam sobre a matéria; de 1930 a 1988, quando o país abraçou as idéias básicas do corporativismo sindical italiano, assumindo absoluto controle tanto na criação quanto na organização e funcionamento dos sindicatos, e no período pós 1988, com o advento da nova Constituição Federal (páginas 227 a 234). Em linhas gerais, relativamente ao período pós 1988, o jurista enfatiza que embora não se possa falar em liberdade sindical ampla, em razão das restrições ainda existentes quanto ao limite da base territorial (um município) e da manutenção do princípio da unicidade e do sistema confederativo, a autonomia sindical, no que diz respeito à criação e organização das entidades de classe, foi efetivamente adotada pelo inciso I do já citado artigo 8º, que bloqueou qualquer possibilidade de ingerência do Estado «na vida das organizações sindicais» (página 233). Comentando os termos da Convenção 87 da OIT, que regulamentou a autonomia e a liberdade sindicais, o advogado e escritor conclui, da mesma forma, que ressalvada a questão relativa à obrigatória observância dos estatutos da organização (parte final do artigo 2º), as autoridades públicas devem se abster de toda intervenção tendente a limitar o direito das organizações sindicais de elaborar seus estatutos e regimentos administrativos, de eleger livremente seus representantes, de organizar sua administração e suas atividades e de formular seu programa de ação (artigo 3º); de constituir federações e confederações, a quem ficam assegurados todos os direitos resguardados aos sindicatos, podendo estes a elas se filiarem, do direito das primeiras de se filiarem a organizações internacionais de trabalhadores e de empregadores (artigos 5º e 6º), e do direito de aquisição de personalidade jurídica sem sujeição a condições que limitem a aplicação dos preceitos contidos nos artigos 2º, 3º e 4º da Convenção. Infere o colaborador, por conseguinte, (páginas 218/220) que a liberdade sindical, em qualquer grau de associação, implica, dentre outras, em autonomia organizativa e autonomia administrativa, além da autonomia na ação sindical, consistindo a primeira «no poder das associações de autodeterminar as suas próprias regras fundamentais, cujo exercício se processa basicamente por intermédio dos atos constitutivos e do estatutos», e a segunda na «condição de legitimidade da vida do sindicato, consistente na faculdade das organizações de determinar os seus órgãos e suas respectivas funções, seus quoruns deliberativos, tipos de eleições e processo eleitoral, direitos e deveres dos associados, procedimentos de reforma estatutária, gestão econômico-financeira. Trata-se enfim, esse aspecto da autonomia, da chamada democracia interna, que como tal deve ser decidida pelo grupo e não pelo Estado. Neste caso, ao Estado cabe a defesa das regras do jogo, e não do conteúdo das regras, o que significa, por exemplo, que o estado deve respeitar uma disposição estatutária que exclui a participação no processo eletivo e decisório daqueles que rejeitam o princípio da maioria.» (destaques sublinhados não existentes no original). Comentando a autonomia sindical sob a ótica do direito de elaboração dos próprios estatutos, assim se manifesta o preclaro colaborador (páginas 220 a 221):
«As organizações sindicais possuem o direito de elaborar seus estatutos e regimentos administrativos. O problema central aqui é a garantia de não subordinação das organizações à administração pública. A redação dos estatutos não deve ser assemelhada a uma autorização administrativa, ou nem mesmo a uma declaração. O mesmo Estado que não intervém na constituição das organizações, deve se abster de toda ingerência em seu funcionamento.»
(...)
No que tange aos limites dos estatutos, realça a questão relativa ao eventual poder das respectivas organizações de estabelecerem condições ao ingresso nos seus quadros sociais. Quanto a isso, entendemos que, sendo as regras estatutárias legítimas e não discriminatórias, e a decisão tomada com base nelas, nenhum impedimento existe à determinação de condicionantes. Observe-se, todavia, que os estatutos são soberanos, desde que não atinjam a legislação igualmente aplicável a todos em sociedade, assim como a outros direitos de hierarquia equivalente (direitos fundamentais dos homens) à da liberdade sindical, como por exemplo, o princípio da não discriminação. Sendo regular o estatuto, as eventuais decisões impeditivas devem necessariamente ser tomadas com base na norma estatutária, sob pena de configuração - sobretudo - de discriminação.» (grifei).
Mais adiante, por fim (página 223), o jurista discorre sobre as prerrogativas dos associados - destacando, dentre outras, as de não submissão a atos de discriminação e as de direito à ampla defesa em caso de processo disciplinar interno - e especifica as formas de desligamento da organização de classe, tipificando-as como voluntária e forçada. A primeira, segundo sua visão, «é a manifestação concreta da liberdade sindical positiva, que contempla o livre exercício da filiação e da desfiliação». Já o desligamento forçado pode ocorrer de duas maneiras: «da extinção de algum requisito necessário para a manutenção da qualidade de associado, ou da expulsão do mesmo». Sustenta o autor que a expulsão «deriva do acolhimento da acusação de falta grave cometida pelo associado, em razão de descumprimento das normas estatutárias (pagamento de contribuições, deliberações sindicais e coisas do gênero), ou de qualquer outra natureza, considerada incompatível com os princípios da organização sindical. Neste caso, sem prejuízo do recurso judicial, deve ser assegurado ao associado, sob pena de lesão flagrante à liberdade sindical, o amplo contraditório por ocasião da apuração interna.» (grifei). Em sua própria obra, «Liberdade Sindical e Representação dos Trabalhadores nos Locais de Trabalho» (Editora LTr, 2000), o ilustre jurista e signatário da presente ação cautelar manteve integralmente seu posicionamento, nos termos supra transcritos, conforme se infere da leitura do capítulo II. Ao final deste (página 131) conceitua o termo «liberdade sindical» como sendo «um direito histórico decorrente do reconhecimento por parte do Estado, do direito de associação... conferido a trabalhadores, empregadores, e por respectivas organizações, consistente no amplo direito, em relação ao estado e às contrapartes, de constituição de organizações sindicais em sentido teleológico (comissões, delegados...), em todos os níveis e âmbitos territoriais, de filiação e desfiliação sindical, de militância e ação, inclusive nos locais de trabalho, gerador da autonomia coletiva, preservado mediante a sua garantia contra todo e qualquer ato voltado a impedir ou a obstaculizar o exercício dos direitos a ele inerentes, ou de outros a ele conexos, instituto nuclear do Direito do Trabalho, instrumentalizador da efetiva atuação e participação democrática do atores sociais, nas relações de trabalho, em todas as suas esferas econômicas, sociais, administrativas públicas.» (página 134, grifos meus). De tudo que restou exposto, conclui-se, de forma clara, que o Poder Publico, em quaisquer de suas esferas de poder, é terminantemente proibido de tomar qualquer atitude que possa interferir ou intervir meritoriamente nas decisões emanadas das organizações sindicais de qualquer grau, excetuadas as situações concretas de ofensa às garantias constitucionalmente asseguradas, tais como a de não discriminação e ampla defesa, ou de desrespeito às normas estatutárias. ...» (Juíza Rilma Aparecida Hemetério). (TRT 2ª Região - Med. Caut. 70.000 - São Paulo - Rel.: Juíza Rilma Aparecida Hemetério - J. em 16/10/2007 - DJ 30/10/2007 - Banco de Dados da Juruá 022/002209)

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