sexta-feira, 29 de maio de 2009

Trabalho gera evasão escolar

Valor Econômico – Especial – 27.05.09 – F3

Cidadania: Todos pela Educação quer ajudar a construir a ideia de futuro
Jovens abandonam a escola quando começam a trabalhar
Silvia Torikachvili , para o Valor, de São Paulo
27/05/2009
O mercado de trabalho precisa de profissionais qualificados, não de mão de obra barata. O alerta de Wanda Engel, superintendente do Instituto Unibanco, reflete a preocupação, o esforço e a sintonia no Todos pela Educação. O movimento começou com o carimbo da classe empresarial, mas hoje envolve a sociedade civil para pressionar o governo a garantir escola pública de qualidade.
Num país onde a educação pública é prioridade há bem pouco tempo, as metas do Todos pela Educação são ambiciosas. Até 2022, crianças e jovens entre 4 e 17 anos têm de estar na escola; alfabetização plena até os 8 - com aprendizado adequado à sua série; e conclusão do ensino médio aos 17 - no máximo até 19 anos. A pressão da sociedade civil tem alguns números a comemorar. O investimento em educação subiu de 3,2% do PIB (2000) para 3,9% (2007). O gasto em educação básica média por aluno subiu de R$ 1.310,00 (2000) para R$ 2.005,00 (2007). Mais: em 2006, a taxa de escolarização no ensino fundamental foi de 94,8%.
Mas também há dados a lamentar: nem metade dos mais de 10 milhões de jovens entre 15 e 17 anos está na escola. A taxa de escolarização no ensino médio foi de 47,1% em 2006. Embora cerca de 3,6 milhões de jovens se matriculem todo ano na primeira série do ensino médio, apenas 1,8 milhão concluem. Os principais motivos da desistência são desinteresse (40,1%); trabalho (27,1%); falta de acesso à escola (10,9%); gravidez precoce e outros motivos (21,7%).
A pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, do Rio, patrocinada pelo Instituto Unibanco, aponta ainda que 14,1% dos jovens nessa faixa etária deixaram de estudar em 2008. O contingente é maior em São Paulo (18,7%) e em Porto Alegre (18,8%) e justamente entre os jovens empregados (28%), o que pressupõe a ligação direta entre entrada no mercado e abandono escolar.
A parte mais cruel dessa história, segundo Wanda Engel, é que o jovem que abandona o ensino médio acaba morrendo na praia. "Com formação escolar incompleta ele não alcança o emprego que quer e também não aceita qualquer trabalho", diz. Pior: desconhece que a cada ano de estudo pode obter um aumento médio de 10% em sua renda. Motivar esses jovens a construir a ideia de futuro é um dos desafios do Todos pela Educação. Uma saída, diz Wanda, é apostar na Lei do Aprendiz: "As empresas pagariam para o jovem trabalhar meio período com o compromisso de não abandonar a escola". Quanto à defasagem escolar, outro obstáculo, Wanda sugere incluir o estudante universitário nessa ciranda. "Com um salário simbólico, o universitário daria conta desse prejuízo."
Para quem desanima diante desses números, Maria do Carmo Brant, superintendente do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), explica que educação é um processo e que metas não são atingidas da noite para o dia. "Estamos num movimento em que há ganhos todos os dias, embora não apareçam." Esses ganhos são contabilizados como universalização do ensino básico; olhar atento à expansão da educação infantil; "além de um empresariado atento que quer construir junto, com a responsabilidade social de apoiar a escola de qualidade".
A certeza de que o Todos pela Educação avança se traduz no envolvimento das organizações sociais, dos gestores públicos - e das próprias empresas que se responsabilizam pelo orçamento de R$ 2 milhões que garantirá o planejamento aprovado para 2009. Mais de 70% do investimento social privado está na educação, segundo dados do Grupo de Institutos e Fundações (Gife). A diferença é que hoje os investimentos são mais sofisticados. "O empresário aprendeu a avaliar o projeto no qual investe e a cobrar resultados", resume Priscila Cruz, diretora executiva do Todos pela Educação. "Mas o que mais impressiona no movimento é o país inteiro estar mobilizado em torno da importância da escola de qualidade."
Educação de qualidade oferece ganhos para todos. Aos empresários, porque terão funcionários qualificados; ao Estado, porque investirá menos em políticas compensatórias como saúde e segurança (10,5% do PIB, segundo o BID); às mães do futuro que, mais escolarizadas, terão filhos mais saudáveis. O poder público também ganha com uma população mais escolarizada. "Quando faz um bom trabalho para a população, o prefeito ganha mais votos", diz Priscila.
Para José Paulo Soares Martins, diretor executivo do Instituto Gerdau, a maior comemoração nesses quase três anos do Todos pela Educação é a criação de um movimento que mobilizou todos os setores. Há também angústias, como a falta de metodologia para acompanhar o conjunto de metas de forma mais profissional. "Fazer associação do investimento social privado junto com o governo ampliou o diálogo e as empresas adotaram a mesma linguagem", diz Martins. O diálogo inclui pais, educadores e todos os gestores em busca de qualidade na educação. E o objetivo é todos se sentirem responsáveis pela educação: "As empresas têm de ter visão de responsabilidade social focada, com metas e indicadores", diz. "Quem não mede não sabe para onde está indo."
As cinco metas do Todos não se contrapõem nem determinam coordenadas. "Não há fórmulas pedagógicas nem estratégias, já que na zona urbana o calendário escolar é diferente daquele adotado nas redes rurais", lembra Priscila Cruz. As únicas regras claras são as metas, que devem ser cumpridas até 2022. Metas audaciosas, se se levar em conta que as políticas públicas que diminuem as desigualdades na rede pública de ensino estão apenas engatinhando.

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