22/05/2009
Claudio Belli/Valor
Mauro Assis, estivador que completou curso superior de história: "Dei aulas por três anos no Estado, mas a baixa remuneração me fez continuar na estiva"
Valdir Martins de França, 38 anos, casado, está com o futuro profissional seriamente ameaçado. Estivador do porto de Santos há 18 anos, França está marcado para ser excluído do cais, porque tem apenas o ensino fundamental completo. Com o mesmo nível de instrução dele existem atualmente quase 2 mil trabalhadores no porto, 25% do quadro. Já aqueles que sequer concluíram o ensino básico equivalem a 26% do contingente que atua na faixa do cais na condição de avulsos. O quadro total inscrito no Órgão de Gestão da Mão de Obra (Ogmo) soma 7.623 homens.
Na nova era da operação portuária, com equipamentos da terceira geração - como os superguindastes de US$ 8,5 milhões -, exigências de segurança e de aptidão para fazer carreira, a mão de obra contratada para trabalhar nos terminais e a bordo dos navios deve ter o ensino médio completo e conhecimentos básicos de informática e até inglês. Mas um rápido levantamento no setor de formação profissional na região indica que faculdades e órgãos ligados ao porto oferecem cursos gerenciais, administrativos ou operacionais adequados ao pessoal com formação de nível médio para cima. A base com menor formação tem sido relegada.
França mora na cidade do Guarujá e vê colegas voltarem aos bancos escolares, mas confessa que as dificuldades para isso são grandes. "Como só ganhamos quando trabalhamos, obedecendo a turnos que variam nas 24 horas do dia, faltar à parede [local de apresentação dos estivadores candidatos ao trabalho] provoca, além da perda do pagamento, a descida na vez da escala. E como vou pagar minhas contas?", diz
Ele acha que os trabalhadores avulsos deveriam receber bolsas de estudo para compensar as ausências no cais. O setor de treinamento do Ogmo confirma que os cursos, em seu início, têm bom número de alunos, mas a frequência cai durante o seu desenrolar.
Esse quadro conflita com a tendência do porto de quintuplicar a movimentação de carga, hoje ao redor de 81 milhões de toneladas, até meados da próxima década, quando se estima a necessidade de um contingente de 40 mil trabalhadores com conhecimentos atualizados de manuseio direto e indireto com a carga.
Nas faixas seguintes de escolaridade estão trabalhadores com o ensino médio completo e incompleto, que representam 33,7% (cerca de 2.200 funcionários) do total. Nas duas últimas faixas, estão os que chegaram ao curso superior incompleto e completo, correspondentes a 8,6% do quadro geral.
Mauro Assis, formado em história pela Universidade Católica de Santos, 46 anos, casado, preferiu ´batalhar´ na faixa do cais, descendo aos porões dos navios, a ser professor. "Dei aulas por três anos no Estado, mas a baixa remuneração me fez continuar na estiva. Com 18 anos na estiva, há dois anos sou associado do sindicato, depois de ser ´bagrinho´. Tenho a carteira preta (só entregue a associados, depois de cerca de três anos, em média de função)." Esse contingente tem preferência na escala de trabalho. O ganho mensal médio dos estivadores é de R$ 2.500, remuneração que se eleva se o profissional desempenhar funções com equipamentos, como motorista de empilhadeira, por exemplo.
Na faixa do cais, Assis tem cerca de 650 colegas que cursaram, cursam ou abandonaram o nível universitário. Entre os estivadores, existem 234 nessas condições, em cursos de direito, engenharia, administração de empresas, química, ciências contábeis e educação física, entre outros. O número é significativo, porque a categoria de conferentes, com 348 homens, possui 211 com curso superior completo ou incompleto.
"Com a baixa escolaridade do pessoal não consigo fechar um acordo com faculdades para obter desconto em mensalidades. A maioria absoluta tem o ensino fundamental incompleto", conta Robson Apolinário, presidente do sindicato dos operários portuários, o Sintraport, com 1.761 inscritos no Ogmo como avulsos. Mais de mil deles estão nas duas faixas de menor escolaridade.
"As empresas estão publicando anúncios com exigências crescentes, mas nunca se investiu no trabalhador que faz atividade extremamente braçal", reclama Apolinário. "Há novos equipamentos que precisam ser incorporados ao conhecimento dos operários. O tempo é de novo perfil e o desejável é que se reduza o força física."
A tendência de dar trabalho a pessoas com maior nível de escolaridade é clara nos terminais que assumiram as operações do porto, confirmada por anúncios na imprensa. Essa posição se reforça com base em dispositivo legal, que permite aos operadores contratar trabalhadores inscritos no Ogmo, então avulsos, para que assumam vínculo empregatício nos terminais.
Existem atualmente em Santos 103 profissionais saídos do Ogmo para trabalhar com carteira assinada nos terminais. É o momento em que aumentam as exigências de escolaridade. Querginaldo Alves de Camargo, diretor de operações do Tecondi, especializado em contêineres, também presidente do Ogmo, diz que pedir pelo menos ensino médio completo é "a tendência natural".
"Procuramos pessoas em que possamos investir profissionalmente, fazer carreira na empresa e crescer. Por isso a preferência para quem conheça informática e inglês, pelo menos com formação básica", diz Camargo. Para a maioria dos sindicatos, essa vinculação, com carteira assinada, tem em vista reduzir a massa salarial dos avulsos, daí a resistência às demandas dos terminais.
Antonio Carlos Sepúlveda, diretor de operações do Santos Brasil, maior terminal de contêineres da América do Sul, avalia que as funções operacionais exigem o ensino médio completo. "Os trabalhadores nos terminais de contêineres, operadores de equipamentos ou de apoio, interagem continuamente com o sistema operacional, baseado em software, que é o cérebro do terminal. Por isso, conhecimento de informática e raciocínio lógico são indispensáveis para operação desses sofisticados sistemas", diz Sepúlveda.
O setor também se defronta com crescentes normas de segurança e ambientais. José dos Santos Martins, diretor executivo do Sindicato dos Operadores Portuários do Estado de São Paulo (Sopesp), afirma que muitos trabalhadores têm dificuldade para leitura. "Se eles entram em áreas restritas e não sabem o que está escrito lá, o risco de acidente é maior."
Um acordo que está sendo negociado entre o sindicato dos estivadores e a Câmara de Contêineres do Sopesp é uma mostra da preocupação da categoria com o seu futuro. Em troca da manutenção da equipe de estivadores para movimentar contêineres, o sindicato concorda com a prorrogação dos atuais níveis de ganhos por três anos. Pelo contrato em vigência, após 28 de fevereiro a equipe seria reduzida em um homem.

Acidentes são mais comuns entre os menos qualificadosPara o Valor, de Santos
22/05/2009
Os operários de menor nível de escolaridade são as maiores vítimas de acidentes no trabalho no porto de Santos. Essa avaliação é praticamente aceita por todos no cais. Segundo Fábio Luiz do Nascimento, supervisor de treinamento do Órgão de Gestão da Mão de Obra (Ogmo), a maioria dos acidentes ocorre com trabalhadores de capatazia, ligados ao Sintraport, e com os estivadores. Essas duas categorias são as maiores do porto. "O fator cultural influi nos acidentes e o ambiente de trabalho é perigoso. Qualquer acidente é com lesão grave", afirma Nascimento.
Em 2008, o Ogmo contabilizou 138 acidentes, dos quais 73 com afastamento do trabalho, mas a entidade não possui um levamento sobre a relação entre os acidentes e o nível de escolaridade do trabalhador.
A busca do ganho por produção, que se acrescenta ao salário básico, leva os trabalhadores a atuar com maior esforço e mesmo com maior insegurança, explica o estivador Mauro Assis. "Quando depende da produção, para não parar o trabalho, os riscos aumentam. Trabalhei em um navio de contêineres no qual em certo momento faltou energia elétrica, ficou muito escuro. Mesmo assim, a operação continuou porque é desse segmento que obtemos mais de 60% dos nossos ganhos. Eu mesmo cai no espaço entre dois contêineres", conta o estivador.
Uma sucessão de acidentes fatais no porto, entre 2007 e 2008, com sete vítimas, levou as entidades portuárias a promoverem cursos com o foco em segurança. Em 2008, o Centro de Excelência Portuária (Cenep), órgão recém-criado por entidades ligadas ao porto, entre as quais a prefeitura e o Ogmo, promoveu o primeiro curso. Voltado para procedimentos operacionais, abordou o manuseio com sacaria, contêineres e cargas a granel.
O próximo passo da entidade é aliar-se à Secretaria de Educação de Santos para fazer novo levantamento da escolaridade dos portuários e oferecer-lhes cursos de alfabetização e de ensino fundamental. "Temos de avançar desde essa base até o estágio do uso de simuladores nas operações, mas para isso precisamos de verba, não tenho onde captar recursos", afirma Esmeraldo Tarquínio de Campos Neto, coordenador do Cenep.
Tanto o Cenep quanto o Ogmo buscam parcerias com o Ensino Profissional Marítimo, tocado pela Marinha. Uma parcela equivalente a 2,5% da folha de pagamento dos portuários destina-se a um fundo sob responsabilidade da corporação. Para 2009, o Ogmo intermediará curso para 56 turmas, envolvendo um total de 1.680 vagas aos trabalhadores avulsos sobre procedimento operacional-padrão em três tipos de carga. (JR)
Fonte: Valor Econômico - Especial - 22, 23 e 24.05.09 - A14
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