terça-feira, 14 de abril de 2009

Poucas negociações salariais acima da inflação

Valor Econômico - Brasil - 13.04.09 - A3

Aumento de salário acima da inflação vira raridade no pós-crise
Samantha Maia e Ana Paula Grabois, de São Paulo e do Rio
13/04/2009

Anna Carolina Negri / Valor

Antonio Ramalho, do Sintracon: "Não deveria ser difícil negociar, porque as perspectivas para o setor de construção são boas"
O mau desempenho da indústria neste começo de ano já se reflete nas negociações salariais. Depois de cinco anos em que aumentos reais vinham sendo conquistados pela maioria das categorias - em 2008, 78% conseguiram -, os sindicatos encontram hoje um ambiente arisco para negociar e poucos estão obtendo resultados acima do INPC. Em alguns casos, as empresas têm começado a negociação oferecendo aumentos abaixo da inflação do período. Queda da produção, ameaça de desemprego, indefinição do cenário econômico no curto prazo, tudo converge para dificultar as conversas entre funcionários e empresários.

Trabalhadores do segmento de artefatos de couro de Franca, no interior de São Paulo, com data base em 1º de janeiro, começaram pedindo 10% de aumento real. Fecharam acordo com 6,5%, apenas uma reposição das perdas inflacionárias. Os calçadistas da mesma região pediam 16,75% em fevereiro. Vinte rodadas de negociação depois, o pleito foi reduzido para 7,5% no total, com as empresas oferecendo 6,5%, novamente apenas reposição de perdas.

No Sul Fluminense, região que concentra a indústria de transformação do Rio de Janeiro, os reajustes firmados até o momento também só repõem a inflação. O sindicato dos metalúrgicos garantiu a variação do INPC em acordos com as montadoras Volkswagen Caminhões e Peugeot Citröen, a valer a partir de maio.

Cada empresa tem 3 mil empregados nas fábricas de Resende e Porto Real. "As negociações foram mais difíceis porque as montadoras disseram que estavam com os pátios cheios", diz o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Sul Fluminense, Renato Soares Ramos. A Peugeot Citröen demitiu recentemente 250 pessoas. Já a Volks suspendeu em fevereiro o contrato de trabalho de 500 funcionários, que passaram a receber bolsa de qualificação do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) em prazo máximo de cinco meses.

Ramos espera negociação ainda mais dura com a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), cuja data base é em maio. A siderúrgica emprega 6,5 mil funcionários em Volta Redonda e demitiu aproximadamente 1,3 mil desde dezembro, segundo o sindicato.

José Silvestre Prado de Oliveira, coordenador de relações sindicais do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), diz que é inevitável que as negociações sejam afetadas pela crise. "O aumento das taxas de desemprego e a queda das oportunidades de trabalho tornam o cenário mais adverso para a negociação", diz. Ele ressalta, porém, que o impacto deve ser diferente, dependendo do setor. "Há setores que ainda não foram muito afetados, nesses casos há possibilidade de conseguir resultados melhores."

Entre as exceções estão os trabalhadores vigilantes do Rio e do setor de alimentação de São Paulo, que obtiveram aumentos reais de 3% e 1,18% respectivamente. Os 12 sindicatos de vigilantes do Rio fecharam em fevereiro aumento de 9% para 2009. O aumento superou o fechado em 2008, de 6%.

Mesmo assim, os sindicatos da categoria, que representam cerca de 50 mil vigilantes, relatam que as negociações foram mais difíceis neste ano e ameaçaram fazer greve durante o carnaval, o que implicaria, por exemplo, a ausência de segurança no sambódromo carioca, um dos principais atrativos turísticos da época. Também houve passeata no centro do Rio e greve de um dia no município de Campos dos Goytacazes, com a participação de 150 profissionais. "Conseguimos esse aumento, mas o nosso piso salarial ainda é menor em relação a vários Estados, como São Paulo, Minas Gerais e Paraná", disse o presidente do Sindicato dos Vigilantes do Município do Rio, Fernando Bandeira.

Em São Paulo, os trabalhadores da indústria de alimentação do setor de doces e conservas obtiveram um aumento real de 1,18%. A data base é 1º de março e o aumento beneficia 25 mil pessoas. "As empresas alegaram dificuldade por conta da crise, mas contrapomos que a produção não foi afetada, eram problemas pontuais", diz Neuza Barbosa, diretora da Federação dos Trabalhadores na Indústria da Alimentação do Estado de São Paulo (Fetiasp). Casos com possibilidade de aumentos maiores, como o do setor têxtil de Pernambuco, contam com uma base salarial baixa. O salário mínimo das costureiras é de R$ 465, e há possibilidade de aumento de 11%.

Hoje a Fetiasp tem reunião na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) para negociar o dissídio do setor de bebidas. A reivindicação é de 2% de aumento real, mas as empresas sinalizam só com reposição da inflação. "Não podemos aceitar menos do que já foi obtido pelo setor de doces", diz Neuza. Outra batalha difícil deverá ser no segmentos de usinas de açúcar e frigoríficos, onde há casos de empresas com queda de produção e endividamento.

A partir de 2004 houve uma combinação de crescimento econômico e baixa inflação, o que contribuiu muito para os resultados das campanhas salariais. Em 2004, 55% das categorias conseguiram aumentos reais, percentual que cresceu até 2007 (88%). Em 2008, a inflação mais alta já refletiu nos reajustes, e o número de aumentos acima da inflação caiu para 78%. "Muito provavelmente o número será pior este ano", diz Oliveira, do Dieese. Ele acredita, porém, que o resultado não deve ser pior que os 19% de 2003.

A interrupção do boom de investimentos na construção civil deixou os trabalhadores receosos quanto às negociações salariais este ano. A data base da categoria em São Paulo é 1º de maio, mas os sindicatos já começaram a se mobilizar para pedir aumento real de 5,5% mais manutenção de benefícios. No ano passado, conseguiram 2% de reajuste acima da inflação.

Antônio Souza Ramalho, presidente do Sintracon-SP, entidade que representa os trabalhadores, diz que as empresas estão se apegando ao discurso de que em tempo de crise não se deve pedir aumento. "Entendemos que não deveria ser difícil negociar, porque as perspectivas para o setor são boas", diz ele, lembrando do recente lançamento do programa federal Minha casa Minha vida, que deve impulsionar as construções.

Para chamar a atenção dos empresários, o sindicato está organizando um ato no dia 27 de abril com a intenção de concentrar 300 mil trabalhadores na Avenida Luis Carlos Berrini, zona Sul da capital paulista. "É uma região com muitos canteiros de obras, queremos mostrar que temos poder de mobilização", diz ele.

No setor farmacêutico em São Paulo a terceira rodada de negociação ocorre hoje. A data base é 1º de abril e os trabalhadores reivindicam aumento real de 7%. "Os empresários têm dito que a situação não é boa para dar aumento, mas até fevereiro temos verificado índices positivos de emprego no setor e economicamente também não há sinal de de problemas", diz Sérgio Luiz Leite, secretário geral da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas e Farmacêuticas de São Paulo (Fequimfar).

Para o segmento de álcool, com data base em 1º de maio, as perspectivas são piores. As quedas do preço do produtos no período de entressafra indicam que as empresas estão com faturamento menor. Mesmo assim, a categoria optou por reivindicar o mesmo que os farmacêuticos. "Não sabemos como será a conversa, mas entendemos que não será com achatamento da massa salarial que os problemas do setor serão resolvidos", diz Leite. (Colaborou Carolina Mandel, do Recife)


No RS, apenas 30% dos acordos superam 1% do INPC
Sérgio Bueno, Vanessa Jurgenfeld e Marli Lima, de Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba
13/04/2009


A desaceleração da economia também reduziu os ganhos reais obtidos pelos trabalhadores na Região Sul do país. Entre as categorias que receberam aumento acima da inflação neste começo de ano, os resultados são menores que no ano passado.

No Rio Grande do Sul, segundo um levantamento da seção local do Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Socioeconômicas (Dieese), apenas 30% dos acordos fechados de outubro de 2008 a fevereiro deste ano resultaram em índices superiores a 1% além da inflação medida pelo INPC acumulado em 12 meses, ante 74% no mesmo intervalo no período de 2007 a 2008.

Com data base em 1º de fevereiro, os empregados das indústrias de calçados de Sapiranga e das fabricantes de móveis de Bento Gonçalves, dois setores tradicionais no Estado, conseguiram aumentos reais de 0,98% e 0,82%, respectivamente. Em 2008, os ganhos haviam sido, pela ordem, de 1,29% e 1,56%. Já os 28,5 mil professores do ensino privado, com data base em 1º de março, deverão receber apenas o INPC de 6,25% acumulado até o fim de fevereiro. A proposta será votada no dia 18 deste mês. De acordo com o Sinpro, que representa os professores, há cerca de dez anos os acordos fechados com as escolas particulares gaúchas limitam-se à reposição da inflação.

Segundo o assessor da diretoria do Sindicato dos Sapateiros de Sapiranga, na região metropolitana de Porto Alegre, Adelino Frank, as indústrias calçadistas da cidade alegaram redução de pedidos no mercado externo provocada pela crise para reduzir o aumento real. Cerca de 22 mil trabalhadores fazem parte da categoria nas três cidades cobertas pela entidade, incluindo Araricá e Nova Hartz.

Conforme Frank, as demissões no setor dificultaram ainda mais as negociações. Só em março o sindicato homologou 510 rescisões de contrato de trabalho, ante 250 no mesmo mês do ano passado. No total o reajuste dos sapateiros ficou em 7,41%, acima dos 6,65% de 2008, mas isso por causa do INPC acumulado mais alto (6,43% de fevereiro de 2008 até o fim de janeiro de 2009 diante de 5,40% nos 12 meses anteriores).

Em Bento Gonçalves, o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário não detectou nenhum movimento anormal em relação a demissões nas fabricantes de móveis, mas o aumento real de 0,82% é quase metade do obtido em 2008. "Mas com a crise, até que fechamos um bom acordo e as cláusulas sociais foram preservadas", disse o presidente da entidade, Ivo Vailatti. As indústrias de móveis de Bento Gonçalves empregam cerca de 6 mil pessoas.

As negociações salariais em Santa Catarina das categorias com data base em 1º de abril ainda se arrastam. Os sindicatos esperam uma definição até o fim deste mês. Metalúrgicos, mecânicos e térmicos de Joinville, setores que mais sofreram no Estado até agora com a crise com corte de salários e demissões, já fizeram as primeiras rodadas de discussão e ainda esperam conseguir aumento real, mesmo que seja necessária a postergação do recebimento por alguns meses.

Os sindicatos catarinenses já falam na possibilidade de negociar com os patrões outras saídas para que não percam o ganho real, como o adiamento desse percentual para outro mês do ano. Também estão usando outras estratégias, que envolvem mudanças em cláusulas sociais como uma forma de compensação. João Bruggmann, presidente do sindicato dos mecânicos de Joinville, representante de 15 mil trabalhadores, diz que caso a categoria só consiga a reposição do INPC agora em abril, pretende negociar o ganho real em setembro. "As empresas, principalmente as autopeças, alegam queda de vendas para negar o aumento real, mas até agosto de 2008 elas tiveram um excelente ano", destacou.

A proposta dos mecânicos de Joinville iniciou com a reposição do INPC mais 6% desse valor como ganho real. No ano passado, o ganho real foi de 1%. Bruggmann, que viu o volume de demissões mensal dobrar para cerca de 500 pessoas nos primeiros meses deste ano em relação ao mesmo período do ano anterior, também diz que o sindicato pretende melhorar algumas cláusulas, entre elas a relativa à estabilidade no emprego para aqueles que estão prestes a se aposentar. Os térmicos de Joinville, que negociaram recentemente uma redução de jornada e de salário na Embraco, iniciaram as negociações neste ano pedindo 2% do INPC de ganho real.

No Paraná, as primeiras negociações salariais foram finalizadas com aumento real pequeno para os trabalhadores. "O que é importante, porque ameniza os efeitos da crise", diz Cid Cordeiro, economista do Dieese. Segundo ele, os empregados da indústria gráfica, que têm data base em janeiro, tiveram reajuste de 8%, com ganho real de 1,43%. Os servidores públicos de Curitiba conseguiram aumento de 6,5%, ou 0,24% acima da inflação acumulada no período.

O secretário-geral do Sindicato dos Vigilantes de Curitiba e região, Nelson Belizari, diz que o acordo obtido "não foi ruim, mas também não foi bom". Os trabalhadores fizeram greve em fevereiro (mês da data base) por aumento nos salários e tiveram 7% de reajuste no piso. Em média, a remuneração teve incremento de 7,53%. "Foi uma negociação cheia de percalços e o empresariado alegou que havia uma crise para barrar aumentos", diz o sindicalista.

A Federação dos Empregados em Empresas de Asseio e Conservação do Paraná informou que os trabalhadores tiveram em fevereiro reajuste de 15% no piso. O aumento beneficia cerca de 30 mil pessoas que atuam em limpeza no Estado. Para os varredores de Londrina, município do Norte, o reajuste foi de 18% em janeiro. Os coletores de lixo da mesma cidade conseguiram 10%.

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