quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Crise no setor de dublagem

Valor Econômico - Empresas / Tecnologia&Comunicações - 17.02.09 - B3

Companhias de dublagem lutam para sobreviver
Manuela Rahal, de São Paulo
"Versão brasileira, Herbert Richers". É difícil encontrar alguém com mais de 20 anos que não se lembre da vinheta, marca registrada de um dos maiores estúdios de dublagem do país. Fundada em 1953, apenas três anos depois do início da TV no país, a Herbert Richers tornou-se uma referência ao traduzir em bom português os filmes e seriados americanos que costumavam preencher o horário nobre da televisão.
Silvia Costanti / Valor
Herbert Richers Junior: companhia fundada por seu pai, símbolo do setor, viu produção cair de 400 para 60 rolos mensais
Nos últimos anos, porém, a situação mudou significativamente. A produção local das emissoras passou a ocupar os horários de maior audiência, reduzindo a oferta de trabalho a níveis tão perigosos que ameaçam a sobrevivência de muitos estúdios de dublagem.
Para se ter uma ideia, as dez salas de dublagem da Herbert Richers tem capacidade de produzir cerca de 400 rolos de filme por mês - um limite facilmente alcançado nos tempos áureos. "Atualmente, se eu conseguir 60 rolos em um mês, fico muito feliz", diz Herbert Richers Junior. O empresário comanda a companhia ao lado de seu pai - uma lenda no setor - que completa 85 anos em abril e continua trabalhando na sede da empresa, no Rio de Janeiro. "Geralmente temos uma programação prevista para dois meses. Hoje, tenho apenas um projeto pela frente e não sei o que acontecerá no próximo mês", afirma.
O cenário se repete em muitas companhias do setor. Na Álamo, a produção atual é cerca de 60% menor que no período entre 1997 e 2001, quando a TV paga deu novo impulso aos estúdios de dublagem. Com uma programação fortemente baseada nas produções estrangeiras, os canais pagos foram vistos inicialmente como uma tábua de salvação, mas acabaram produzindo um efeito perverso para o setor: a proliferação dos estúdios de dublagem, o que derrubou o preço dos serviços.
Se até 2001 o mercado era disputado por sete grandes companhias, hoje calcula-se que há mais de 50 empresas oficiais, sem contar as micro-empresas que não estão listadas nos sindicatos e associações.
"O custo médio do serviço gira em torno de R$ 130 por minuto, mas estúdios caseiros conseguem baixar esse valor a R$ 50", diz Michael Mariano, supervisor técnico da Voice-Versa Audiovisual.
A questão central é a mão-de-obra, que representa a principal fonte de despesas. "O elenco, somado ao diretor, responde por 60% do custo do trabalho de dublagem", diz Richers. Os salários obedecem a uma tabela fixa. Dubladores ganham R$ 67,01 por hora trabalhada, independentemente do número de diálogos. Para os diretores, o valor é de R$ 100 por hora, segundo o Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos de Diversões do Estado do Rio de Janeiro.
Os estúdios caseiros conseguem oferecer preços mais baixos porque burlam a legislação, diz Mariano, da Voice-Versa. "Eles trabalham com um elenco que aceita remuneração fora da tabela". O pior é que é difícil identificar essas empresas, já que muitas nem assinam os trabalhos, afirma o executivo.
A proliferação dos estúdios clandestinos já produziu várias vítimas no mercado oficial, que foram obrigadas a fechar suas portas. É o caso da Gota Mágica, precursora no gênero anime - os filmes de animação japonesa -, além da Capricornio, Intercontinental Estúdios e Riosom. "Qualquer um pode pegar o quartinho dos fundos e transformar em um estúdio, com um custo superbaixo", diz Herbert Richers Junior.
Enquanto isso, os canais de TV paga - que encerraram o ano com 5,52 milhões de assinantes no país - avaliam o aumento da programação dublada em sua grade. Muitos estão vendo na dublagem um trunfo importante para atrair público da TV aberta. "Por questões estratégicas, desde 2007 decidimos dublar todos os programas que são exibidos em nosso horário de pico [das 20 horas à meia-noite)", conta Marcello Braga, diretor de marketing da Fox.
A TNT, do grupo Turner, trabalha com conteúdo 100% dublado desde 1999, quando começou a atuar no país. Pablo Corona, diretor de programação do canal diz os concorrentes estão copiando a fórmula, porque perceberam que oferecer conteúdo no idioma local é estratégico. "Trata-se de uma questão cultural. O público brasileiro tem costume de assistir programação dublada", afirma o executivo.
Para os estúdios de dublagem, no entanto, nem esses movimentos têm aliviado a situação. "Esse aumento de demanda não existe na prática", diz Maria Inês Moane, diretora artística da Álamo. "A TV por assinatura trabalha com muitas reprises [filmes que já estão dublados] e os trabalhos que sobram são poucos diante do número de empresas que dublam", afirma.
A crise econômica pode tornar ainda mais difíceis os desafios futuros das empresas de dublagem. Com o custo mais alto do dinheiro, vários estúdios de cinema e TV estão reduzindo a oferta de produções. "Tenho acompanhado casos em que filmes estão sendo cancelados já em fase de produção. Se eles não terminam os filmes, não temos o que dublar", diz Richers Junior.
O executivo consegue ver apenas uma luz no fim do túnel: o crescimento de títulos dublados para cinema. "A dublagem era restrita a produções do gênero infanto-juvenil, mas recentemente outros tipo de filme passaram a ganhar versões faladas em português", afirma.
Uma pesquisa encomendada pelo Sindicato dos Distribuidores do Rio de Janeiro ao instituto Datafolha, no fim de 2007, detectou que 56% dos espectadores de cinema preferem cópias dubladas. Um exemplo recente disso, diz Maria Inês, da Álamo, é "Viagem ao Centro da Terra". "Em sua versão 3 D, o filme só chegou ao Brasil no formato dublado."


A vida de quem dá voz a Sharon Stone e Mel Gibson

Manuela Rahal, de São Paulo
Quem seria do outro lado da linha? Demi Moore, Sharon Stone, Madonna ou Kim Basinger? Nenhuma das alternativas anteriores. Mônica Rossi seria a resposta certa. A carioca é dubladora oficial dessas atrizes nos estúdios de dublagem. Com uma experiência de 26 anos na área, ela atualmente trabalha sob o mesmo modelo da maioria dos dubladores no Brasil - sem contrato fixo com nenhum estúdio.
Mônica foi casada com Eddie Murphy, quer dizer, com Mario Jorge, dublador do ator americano. O casal tem uma filha que praticamente nasceu dentro do estúdio e hoje em dia também trabalha como dubladora de desenhos animados. "Entrei em trabalho de parto na Herbert Richers e corri para o hospital", conta Mônica.
"Sou uma pessoa muito vaidosa, mas estou longe de ser a Sharon Stone. Sempre me deparo com um certo desapontamento quando conto quem sou", comenta a atriz. Há alguns anos, Mônica estava saindo da Herbert Richers - que na época tinha algumas de suas salas alugadas pela Rede Globo - quando se deparou com um grupo de tietes que fazia plantão da frente da empresa, à espera de atores famosos. "Encontrei duas meninas que deviam ter por volta 11 anos. Uma delas perguntou qual novela eu fazia e eu respondi que estava fazendo dublagens da Madonna." Mônica conta que as meninas a encararam da cabeça aos pés e disseram: "Madonna? É ruim, hein".
Julio Chaves, que no horário de expediente dubla atores como Mel Gibson, Dustin Hoffman e Tommy Lee Jones, confessa que não é uma pessoa que fala muito, mas quando abre a boca, não tem quem não o reconheça. "Os taxistas sempre se sentem familiarizados com a minha voz e perguntam se eu não trabalho na televisão. Isso acontece com frequência", diz.
Chaves trabalha como dublador há mais de 35 anos e conta que até hoje toma certos cuidados especiais, como não tomar sorvete e não gritar no Maracanã. Acostumado com a rotina, o ator afirma que é capaz de gravar por quatro horas seguidas, sem pausa.
Apesar do orgulho pela profissão, Mônica e Chaves reclamam que não conseguem trabalhar como gostariam, pois o mercado está desacelerado. Além disso, queixam-se do mesmo problema dos grandes estúdios: a concorrência desleal em relação à mão-de-obra. "Estúdios de fundo de quintal contratam pessoas que não têm registro e cobram valores abaixo da tabela", diz Chaves.

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