terça-feira, 26 de março de 2013

Restrições em concursos sob o crivo da Justiça

Valor Econômico - Legislação & Tributos (Rio) - 26.03.2013 - E2
26/03/2013
Justiça derruba restrição de concurso

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FacebookTwitterLinkedInGoogle Plus.Por Arthur Rosa
De São PauloAdvogado Fabio Chong de Lima: há exigências em editais que extrapolam o razoável e o limite do bom senso.

"Policial precisa ser bonito?" A resposta foi dada pelo desembargador Moreira Diniz, da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), ao analisar o caso de um candidato eliminado em concurso público promovido pela Polícia Militar por ter acne. "Possuir acne não desmerece a pessoa, e não torna mau o bom policial", diz em seu voto o desembargador, relator do caso, que considerou prejudicada apelação apresentada pelo governo de Minas Gerais. O Estado já recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF). "A se sustentar a tese do Estado, em breve veremos pessoas consideradas feias serem impedidas de terem acesso a cargos públicos."

Restrições estabelecidas em editais de concursos públicos - principalmente para as polícias civil e militar - têm sido constantemente eliminadas por decisões judiciais. Baixa estatura, problemas médicos e dentários, tatuagens e desvios de conduta (uso de drogas em algum período da vida) são motivos comumente apresentados pelo poder público para retirar candidatos de disputas. Os tribunais, porém, têm entendido que essas restrições afrontam a Constituição Federal e o bom senso.

Mesmo um candidato a uma vaga destinada a portador de necessidades especiais foi reprovado em exame médico, justamente por sua deficiência física. Um médico paulista recorreu à Justiça depois de ser excluído de concurso público para o "cargo de médico emergencista" realizado pela Prefeitura de São José dos Campos. A perícia médica concluiu que o profissional não poderia, por suas limitações físicas (amputação das duas pernas), realizar determinados procedimentos, como entubação orotraqueal e reanimação cardiorrespiratória.

Para o desembargador Wanderley José Federighi, relator do caso na 12ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), porém, o autor provou que tem plena capacidade para o exercício do cargo. O magistrado levou em consideração que, antes da aprovação no concurso público, o profissional já havia desempenhado a mesma função em unidade de emergência da prefeitura, como servidor temporário. "O fato de o autor ter as pernas amputadas em nada prejudica a rapidez mental e o conhecimento técnico do mesmo. A inequívoca dificuldade de locomoção pode ser suprida, ou ao menos minimizada, com a ajuda de um profissional de enfermagem", diz o desembargador em seu voto, que foi seguido pelos demais magistrados da turma.

O advogado Donery dos Santos Amante, que representa o médico, considera a situação absurda. "Ele foi reprovado na perícia porque não pode trabalhar de pé, e para uma vaga de portador de necessidades especiais. Não havia motivo plausível para exclui-lo", afirma o advogado. Por meio de nota, a Secretaria de Assuntos Jurídicos de São José dos Campos informou que a prefeitura ainda não foi intimada da decisão e só depois dessa fase decidirá se recorrerá ou não.

No Paraná, um candidato foi excluído na fase de análise de conduta social de um concurso para investigador da Polícia Civil. Ele omitiu o fato de ter respondido a inquérito policial por homicídio culposo, instaurado em 1990. Um ano depois, a investigação foi arquivada. Mesmo assim, o presidente da banca do concurso considerou o fato como antecedente criminal.

Ao analisar apelação do candidato, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça (TJ-PR) entendeu que não houve violação ao requisito de "comprovada moralidade" prevista no edital. "O ato de exclusão do apelante do concurso, em razão de omissão na ficha pessoal quanto ao fato de existir inquérito policial, o qual já se encontra arquivado desde 1991, contraria o princípio da presunção da inocência, previsto na Carta Magna", diz o relator do caso, desembargador Luiz Mateus de Lima, que determinou a inclusão do candidato no próximo curso de formação profissional da Escola de Polícia Civil. O caso já foi finalizado - transitou em julgado.

Problema dentário também é motivo para desclassificação. Em São Paulo, um candidato a uma vaga de soldado da Polícia Militar foi eliminado, depois de passar pelo testes de conhecimentos gerais e aptidão física, por ter "mordida aberta". O caso foi analisado pela 8ª Câmara de Direito Público do TJ-SP, que negou provimento ao recurso apresentado pela Fazenda do Estado de São Paulo. A relatora do caso, desembargadora Cristina Cotrofe, considerou o fato "altamente discriminatório". Para ela, "revelou-se abusiva e não poderia prevalecer, haja vista que tal postura administrativa contraria os princípios que norteiam os concursos públicos, sobretudo a impessoabilidade e a razoabilidade".

Para o advogado Fabio Chong de Lima, do escritório L. O. Baptista, Schmidt, Valois, Miranda, Ferreira, Agel, há exigências em editais de concursos públicos que extrapolam o razoável e o limite do bom senso. "Fazem exigências que não têm nada a ver com a função. E exclui-se com critérios que não são nada objetivos", afirma Lima.

Mauricio Tavares Levy, do Demarest e Almeida Advogados, concorda que há excessos em editais de concursos públicos. "O objetivo é contratar pessoas competentes e preparadas para o cargo. Não tem sentido eliminar, por exemplo, um candidato com tatuagem em local não exposto", diz ele, acrescentando que há muitas ações sobre o tema de candidatos a vagas na Polícia Militar. "O Judiciário tem considerado esse tipo de atitude discriminatória."

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