terça-feira, 19 de março de 2013

Profissionais e empreendedores: "O grande símbolo da nova classe C não é o celular, o computador, o cartão de crédito ou a TV a cabo, mas a conquista da carteira de trabalho".

Valor Econômico – 19.03.2013 – p. A-15


Sobre profissionais e empreendedores

Por Marcelo Côrtes Neri

Tom Jobim disse certa vez que o Brasil não é para amadores. Imagino que o maestro, falecido em 1994, veria hoje a necessidade de profissionalização ainda maior para entender as mudanças em curso no país. Se nas décadas de 1970, 1980 e 1990 a economia brasileira teve um comportamento errático fruto da instabilidade inflacionária, recorrendo a uma dose de sabedoria depois dos fatos, a tendência de longo prazo da renda foi simples de decifrar, dados o baixo crescimento com desigualdade alta e persistente.

Antes da estabilização das flutuações do mês a mês e mesmo do dia a dia, o década a década brasileiro era superestável. É fácil mapear a posteriori o deslocamento de cada um dos grandes segmentos tupiniquins no longo prazo, tivessem eles inicialmente níveis de vida indianos, ou belgas. A melhor aposta seria que ninguém saiu do lugar.

Nos últimos anos, anteceder o rumo do Brasil, e em particular das diferentes classes de brasileiros, tem sido tarefa capciosa. Numa época quando Brics emergem e europeus submergem, o lado pobre da nossa Belíndia cresce a taxas indianas, três vezes superiores às do lado belga. Na faixa de renda situada entre esses polos de pobreza e de riqueza tupiniquins onde habita o João da Silva, o brasileiro mediano, a renda real per capita de 2003 até 2011 cresceu 66% contra 27% dos 10% mais ricos e 80% dos 10% mais pobres.

PIB per capita cresceu 0,1%, a renda média do trabalho evoluiu 5,1% e a mediana 6,5%. Paradoxo a ser desvendado

O Produto Interno Bruto (PIB) que cresceu tão pouco quanto os brasileiros mais abastados da Pnad, seja pela crescente igualdade, seja pelo maior crescimento da Pnad. Em 2012, o descompasso cresce. Se o PIB per capita cresceu 0,1%, a renda média do trabalho evoluiu 5,1% e a mediana 6,5%. O descolamento entre o PIB e o mercado de trabalho é o paradoxo a ser desvendado.

O setor moderno da economia esteve parado, mas o trabalho continuou deslanchando nos segmentos medianos e pobres. As rendas que subiram mais em 2012 foram de analfabetos (8,6%), negros (7,3%), mulheres (6,7%) e na periferia (7,3%), portanto o destaque não é o balançado da garota de Ipanema, mas a batalha da Kátia do Irajá.

Há novas políticas para o Brasil moderno voltadas para a competitividade e inovação da indústria, formação de engenheiros, infraestrutura e logística. O segmento pobre tem sido alvo certeiro de ações seguindo o norte do Bolsa Família, como o Brasil Sem Miséria e o Brasil Carinhoso.

Mas quais são as novas políticas voltadas ao grupo do meio? Políticas nem sempre apartadas daquelas voltadas às camadas mais carentes, como nas duas faixas do Minha Casa, Minha Vida. Há políticas para consumidores e outras para produtores. A defesa do consumidor ganha relevo não só para salvaguardar o suado aumento do poder de compra conquistado, como pelo aumento do poder de mercado das grandes empresas. No lado do produtor temos o ProUni e uma revolução silenciosa na educação profissional que ninguém fala.

Discordo em número, gênero e grau daqueles que veem apenas a face de consumo da nova classe média, sem enxergar as mudanças profissionais em curso há uma década. O grande símbolo da nova classe C não é o celular, o computador, o cartão de crédito ou a TV a cabo, mas a conquista da carteira de trabalho.

Estamos na semana do empreendedorismo, e aí sim residem os principais desafios profissionais da nossa nova classe média. O apoio aos negócios nanicos como comerciantes, ou prestadores de serviços é a fronteira aonde a política pública brasileira nunca chegou antes. Isso começa a mudar pela própria ascensão desses segmentos e pela chegada de ações de alta escala na base da pirâmide. O microcrédito no programa Crescer de 2011 generaliza a experiência bem-sucedida do Crediamigo do Banco do Nordeste para outros bancos federais. O destaque parece ser a criação da figura tributária do empreendedor individual que é uma lei que pegou com avanços cumulativos em 2011.

Artigo meu com Carlos Corseuil e Gabriel Ulyssea do Ipea mostra que, após o Empreendedor Individual, ocorreu expansão com formalização dos negócios nanicos que vinham perdendo espaço no boom trabalhista anterior. Esse aumento de cobertura legal dos autônomos, o principal alvo da lei, é a principal inflexão trabalhista da década em curso. Esse grupo registrou crescimento na relação entre suas probabilidades de contribuir para a previdência e a de estar inscrito no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) que é consistente com o conjunto de incentivos da nova lei.

Uma análise das transições vividas por pessoas acompanhadas ao longo do tempo pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME) revela que o trabalhador autônomo com proteção previdenciária se tornou destino preferencial de pessoas vindas de todos os segmentos trabalhistas. Indicando não só a formalização entre quem já era autônomo cujo fluxo passa de 5,6%, antes da lei, para 8,2% depois da lei. Trabalhadores autônomos formais se tornaram porta de entrada mais comum ao mercado de trabalho daqueles inicialmente desempregados e inativos.

Há efeitos colaterais, desde a redução na escala dos pequenos empreendimentos e a troca do assalariamento na força de trabalho por uma relação de prestação de serviços com custos reduzidos pela lei. Isto complexifica o trabalho de análise de dados trabalhistas.

Marcelo Côrtes Neri é presidente do Ipea e professor da EPGE/FGV. Autor de "A Nova Classe Média" (Editora Saraiva), "Microcrédito: o Mistério Nordestino e o Grameen Brasileiro" (FGV) e "Cobertura Previdenciária: Diagnósticos e Propostas" (MPS) e "A Nova Classe Média". Escreve mensalmente às terças-feiras. marcelo.neri@ipea.gov.br

Nenhum comentário: