quinta-feira, 24 de maio de 2012

Poder nos sindicatos

Valor Econômico - Legislação & Tributos - 24.05.2012 - E2
Quem manda nos sindicatos?

Estamos em ano eleitoral e, normalmente, nesse período, se assiste à eclosão de um sem número de greves, não raras vezes com prejuízos à comunidade (veja-se a greve de ônibus e metrô em São Paulo), sejam os interesses por elas defendidos legítimos ou não. Ainda, num período de turbulências econômicas, como as empresas nacionais vêm enfrentando atualmente, a necessidade de se negociar com os trabalhadores mecanismos para tornar menos traumáticos os ajustes necessários para a sobrevivência da empresa e dos empregos de seus empregados, é uma realidade.

Dado que em ambos os casos têm-se o envolvimento de sindicatos, surge a questão que é o título desse artigo: quem manda nos sindicatos? De forma mais abrangente, quem é que representa os interesses de empregados e empregadores, reunidos em um sindicato? Quais os limites legais e estatutários desses mandatários?

Um sindicato é uma espécie de associação. Esta é a reunião de pessoas, físicas ou jurídicas, que se unem em defesa de um interesse que lhes seja comum. No caso dos sindicatos, sua finalidade maior é a defesa dos interesses dos trabalhadores (dimensão postulatória), no caso dos sindicatos de trabalhadores, e a defesa contra as intenções dos empregados (dimensão defensiva), no caso dos sindicatos patronais. Nas duas situações, quem "personifica", quem externa esses interesses, é a diretoria da entidade, ou mais especificamente seu presidente.

Uma associação - e os sindicatos por consequência - são geralmente compostos de uma diretoria executiva, um conselho fiscal e de uma assembleia, da qual participam os representados. A diretoria executiva é a responsável pela gerência diária da entidade, quer no que diz respeito à sua administração interna, quer no que se refere à defesa dos interesses de seus representados perante terceiros; o conselho fiscal é quem controla o uso dos recursos financeiros da entidade pela diretoria executiva; a assembleia dos representados é o locus onde a vontade a ser defendida pela diretoria executiva é definida.

O presidente de um sindicato não se torna dono da vontade de seus representados

Desse modo, pelas características organizacionais acima citadas, se o presidente de um sindicato representa a entidade perante terceiros, o conteúdo dessa representação não é por ele estabelecido, mas sim pela assembleia, esta composta pelos representados pelo sindicato. O presidente não estabelece os direitos a serem defendidos, ele lhes dá voz. É, por assim dizer, um microcosmo de um Estado democrático.

Desde o advento da Constituição Federal, muitos, em leitura afoita de seu artigo 8º, II, que veda a interferência e intervenção do Poder Público nas entidades sindicais, passaram a entender que não pode haver nenhuma ingerência, do Estado ou de particulares, nas atividades sindicais. Esse raciocínio é absurdo, na medida em que tornaria o sindicato um ente soberano, dentro de um Estado brasileiro também soberano! Deixam, esses equivocados intérpretes, de considerar o princípio fundamental democrático da República brasileira (artigo 1º) e o da sujeição irrestrita de todos os que se encontram em território nacional ao primado da lei (artigo 5º, II). No caso dos sindicatos, também é desconsiderado o disposto no artigo 5º, XIX da mesma Carta.

Tudo isso considerado, é forçoso e inevitável concluir que só serão legítimas as atividades desenvolvidas pela presidência de um entidade sindical, na defesa dos interesses de seus representados, se essas atividades forem respaldadas na vontade majoritária oriunda de uma assembleia. Dito de forma muito breve, o presidente de um sindicato não se torna, com sua posse, "dono" da vontade de seus representados. Jamais. Se no modelo político (considerando-se os âmbitos federal, estadual ou municipal) é inviável a realização de plebiscitos para a definição dos atos a serem tomados pelos governantes, dada a dimensão e complexidade da sociedade, o mesmo não se dá em relação às associações e sindicatos: para cada atuação em nome da categoria é necessária prévia, democrática e representativa apuração dos interesses a serem defendidos pela presidência executiva da entidade.

Isso leva a que, em negociações coletivas, mais do que ameaças ou "caras feias", a entidade demonstre que seus pleitos refletem, com exatidão, os interesses dos representados, e em dissídios judiciais, que essa vontade da categoria seja efetivamente averiguada, sob pena de falta de interesse processual.

Desconsiderar esses fatos e fundamentos jurídicos significa a manutenção da "ditadura da diretoria", tão comum em nossos dias. E isso não beneficia trabalhadores, empresas, o Estado nem a sociedade como um todo.

Henrique Macedo Hinz é mestre e doutor em direito das relações sociais pela Faculdade de Direito da PUC-SP e doutor em desenvolvimento econômico pelo Instituto de Economia da Unicamp. É juiz do trabalho substituto do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 15ª Região e autor, dentre outros, do livro "Direito Coletivo do Trabalho"

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