Jornal Valor Econômico – Legislação &
Tributos – 10.03.2015 – E1
TST anula pontos de acordos fechados entre
empresas e Ministério Público
Por Adriana Aguiar | De São Paulo
Algumas empresas estão sendo surpreendidas
pela Justiça do Trabalho com decisões que anulam cláusulas dos chamados Termos
de Ajustamento de Condutas (TACs) fechados com o Ministério Público do Trabalho
(MPT). O objetivo dos acordos é corrigir irregularidades cometidas pelos
empregadores.
A Seara Alimentos é um desses
exemplos. Ela foi condenada em pelo
menos quatro processos no Tribunal Superior
do Trabalho (TST) pelos quais os ministros invalidaram cláusula de um TAC
firmado em 2013, que trata dos intervalos de descanso para funcionários que
atuam em câmaras frias.
A rede Cencosud Brasil Comercial, que
abrange os supermercados Prezunic, no Rio de Janeiro, e GBarbosa, em Estados do
Nordeste e em Minas Gerais, também foi condenada por ter firmado um TAC, em
2009, que prorroga o repouso semanal para até o 12o dia de trabalho e não o 7o
dia, como prevê uma orientação do TST.
Recentemente, a 7a Turma do tribunal
superior condenou a Ceconsud a pagar para uma ex-orientadora de caixa de Juiz
de Fora (MG) o descanso semanal remunerado, usufruído após sete dias seguidos
de trabalho, em dobro. Os ministros foram unânimes a favor da trabalhadora.
Segundo o relator, desembargador convocado
André Genn de Assunção Barros, "o MPT não pode dispor dos direitos
conferidos pela lei aos trabalhadores, cabendo-lhe tão somente ajustar a
conduta do infrator às exigências do direito do trabalho".
O desembargador ainda ressaltou que a
Orientação Jurisprudencial 410 da Subseção 1 Especializada em Dissídios
Individuais (SBDI-1) do TST determina que o repouso semanal deve ser concedido
dentro da mesma semana, respeitando-se o período de, no máximo, seis dias
consecutivos de trabalho. Da decisão, não cabe mais recurso.
O advogado que defendeu a ex-trabalhadora,
Felipe Rocha Lourenço, do João Fernando Lourenço Advogados Associados, que
também atua para o Sindicato dos Empregados do Comércio de Juiz de Fora, afirma
que entrou com mais de cem ações contra a companhia e que ganhou em 80% delas.
"Nem o sindicato nem os trabalhadores foram procurados para discutir os
termos desse acordo e os trabalhadores foram prejudicados", diz.
Apesar das condenações, o advogado da
Ceconsud no processo, Artur Soares Machado Neto, do Moreira Braga & Neto
Advogados Associados, afirma que há diversas normas que flexibilizam essa
obrigação de descanso aos domingos e após seis dias de trabalho. Entre elas, o
precedente Administrativo no 46 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que
estava em vigor na época do TAC, e que estabelecia que inexistia obrigação
legal do descanso após o sexto dia de trabalho.
"A empresa foi pega de surpresa com
essas ações, já que houve um acordo com o Ministério Público do Trabalho. Essas
decisões trazem insegurança jurídica", diz Machado Neto. Após as primeiras
condenações, a companhia deixou de aplicar essa cláusula, que foi
posteriormente cancelada pelo MPT.
No caso da Seara, já existem condenações na
6a, 7a e 8a turmas do TST. Em todos processos, os ex-trabalhadores entraram com
ações individuais contra a empresa, questionando o teor do TAC. A cláusula
estabelece cinco pausas de dez minutos na jornada de 7h 20 e seis pausas de dez
minutos para a jornada de 8h48 para os trabalhadores que atuam em câmaras frias.
Os ministros têm entendido que esse
intervalo não é suficiente para assegurar a saúde do trabalhador e que esse
tempo viola o que está estabelecido em lei. Isso porque o artigo 253 da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê intervalo de 20 minutos a cada
1h40 de trabalho contínuo para o funcionário que trabalha nas câmaras frias.
Segundo recente decisão da relatora no TST,
desembargadora convocada Jane Granzoto Torres da Silva, "a finalidade dos
intervalos previstos no artigo 253 da CLT é promover a recuperação da
temperatura corporal, minimizar o contato com o frio, o que acarreta reações
químicas e biológicas prejudiciais ao ser humano". Os ministros ainda
ressaltam que como o tema afeta a medicina e segurança do trabalho, não poderia
ser flexibilizado.
Para a relatora, o MPT "não tem
legitimidade para renunciar ou transacionar o próprio direito material dos
trabalhadores, cabendo-lhe somente ajustar a conduta do infrator às exigências
do ordenamento jurídico positivado". As decisões condenam a companhia a
pagar horas extras sobre a diferença do intervalo concedido e do previsto em
lei.
O coordenador nacional dos projetos de
adequação das condições de trabalho em frigoríficos, procurador do trabalho
Sandro Eduardo Sardá, afirma que as pausas firmadas no TAC com a Seara,
equivaleriam matematicamente às pausas previstas na CLT. "Adotamos isso
porque há estudos dizendo que do ponto de vista biomecânico essa pausa de dez
minutos a cada 50 minutos traria uma maior recuperação nas atividades
repetitivas", diz. Contudo, Sardá afirma que, com as decisões do TST, o
acordo será reconsiderado. Procurada pelo Valor, a assessoria de imprensa da
Seara não retornou até o fechamento da edição.
As decisões que limitam os TACs são, na
prática, parecidas com os casos em que há anulação de cláusulas em convenções
coletivas, firmadas entre sindicatos e empresas, segundo o advogado trabalhista
e atuante na área sindical Ericson Crivelli, do Crivelli Advogados Associados.
"O juiz, em alguns casos, fica restrito à aplicação da lei e se distância
da realidade da empresa," diz.
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