terça-feira, 19 de outubro de 2010

Abusos e preconceitos no trabalho

Valor Econômico - Especial - 19.10.2010 - A4

Gestão : Pesquisa com 800 empregados no Brasil mostra que 31% sofreram violações graves no trabalho
Empresas falham nos direitos humanos
Vívian Soares De São Paulo
19/10/2010

Daniel Wainstein/valor

Seminário promovido pela BM& FBovespa, sobre direitos humanos nas empresas: pesquisa ouviu 800 funcionários

No Brasil, os direitos humanos ainda não são prioridade para as empresas. O assunto recebe menos atenção do que ações nas áreas social e ambiental. A percepção de que é preciso "olhar para dentro" como complemento das iniciativas de sustentabilidade foi um dos temas discutidos no seminário "Direitos Humanos nas Empresas", realizado ontem na BM&FBovespa. No evento, organizado pela entidade em parceria com o Instituto Norberto Bobbio, foram apresentados os resultados de uma pesquisa realizada com mais de 800 funcionários de empresas de médio e grande porte.
No estudo, que analisou o respeito aos direitos humanos nas empresas, a indústria foi o setor com os melhores resultados. A área de serviços não financeiros teve a pior colocação.
A pesquisa apontou que 31% dos entrevistados sofreram violações graves de seus direitos no trabalho nos últimos dez anos. São situações como racismo, roubo e assédio sexual que afetam, principalmente, negros, mulheres e pessoas com menor renda. Outras violações como maus-tratos são realidade para 20% dos trabalhadores. (ver quadro anexo).
Durante a apresentação da pesquisa, foi discutido o fato de as empresas valorizarem cada vez mais itens como governança corporativa e responsabilidade social - 65,5% delas possuem programas permanentes nessa área - e não avançarem na mesma medida na questão do respeito aos direitos humanos.
Esta também é uma percepção dos trabalhadores. Os entrevistados deixaram claro que sabem que os direitos humanos são uma obrigação das empresas, enquanto a responsabilidade social é vista como uma opção. O levantamento mostrou, porém, que empresas com iniciativas relacionadas à sustentabilidade registram melhores resultados também em relação aos direitos humanos. "Agora é a vez das empresas darem atenção aos direitos humanos e à democracia", afirma o presidente do Instituto Norberto Bobbio e ex-presidente da Bovespa, Raymundo Magliano Filho.
Magliano chegou a sugerir a criação de um "Índice de Direitos Humanos" nas empresas, a exemplo do que acontece com o ISE - Índice de Sustentabilidade Empresarial, criado em 2005 pela Bovespa para elencar as empresas com práticas sustentáveis.
O diretor-presidente da BM&F Bovespa, Edemir Pinto, avalia que o papel indutor da instituição funcionou na promoção à governança corporativa. O novo desafio é debater os direitos humanos dentro das companhias.
Segundo os empresários ouvidos pelo Valor, é importante que as organizações deem o mesmo peso a ambos os temas em suas políticas internas. O conselheiro e ex-presidente do Instituto Ethos, Ricardo Young, acredita que a leitura da pesquisa revela que a questão não está tão presente nas empresas como a da sustentabilidade. No entanto, elas estão enfrentando melhor alguns temas do que outros. A desigualdade de gênero, por exemplo, já é menor do que a de raça. "Ainda assim, avançamos pouco nos últimos anos", afirma.
Para a sócia do escritório Mattos Filho Advogados, Flávia Regina de Souza, a sustentabilidade está diretamente ligada aos direitos humanos. "A sociedade está começando a questionar as empresas, e elas ainda não estão dando a atenção devida ao assunto".
Os empresários concordam, porém, que a abertura da discussão já é um grande passo para a mudança do cenário de desrespeito com as pessoas. "É preciso despertar essa reflexão para que, aos poucos, o respeito aos direitos humanos faça parte do DNA das companhias", diz Marcelo Madaraz, gerente de desenvolvimento de relações e time da Natura.
O professor e pesquisador de relações do Trabalho da Universidade de São Paulo, José Pastore, acredita que os resultados da pesquisa são um alerta para a sociedade brasileira, e não somente para as companhias.
Pastore aponta as deficiências da lei como causa dos problemas relacionados a direitos humanos. "A CLT consegue garantir proteção para metade da força de trabalho que atua no mercado formal. Os terceirizados, informais e outros trabalhadores não são contemplados e ficam sem proteção básica", afirma.
Na opinião do professor, existe um lado positivo na discussão dos direitos humanos dentro das empresas. "Há um movimento crescente de conscientização da sociedade. O número de reclamações trabalhistas nesse campo tem aumentado e o Ministério Público e os sindicatos têm atuado de uma forma direta no sentido de evitar esses maus-tratos".
Pastore percebe uma postura mais alerta da parte dos trabalhadores. Eles estão sentindo necessidade de atuar e participar mais nas discussões sobre seus direitos. "No Brasil, o empregado totalmente subordinado e que não questiona está em vias de extinção. É claro que as variações são enormes e há grandes diferenças setoriais e regionais, mas a sociedade está caminhando", diz.





Valor Econômico - EU & Carreira - 13.10.2010 - d10

Direitos humanos: Estudo realizado com 800 profissionais brasileiros de diversos setores revela que um terço de seus chefes agem de maneira desrespeitosa.

Funcionários relatam abuso e preconceito no trabalho

Por Vívian Soares De São Paulo
13/10/2010
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Cláudio Belli/Valor

Magliano, do Instituto Norberto Bobbio, diz que piores resultados foram registrados entre negros e mulheresAtitudes como humilhação e preconceito de raça e gênero ainda acontecem em companhias de diversos setores e tamanhos no país. Pesquisa realizada com 800 profissionais de todas as áreas no Rio de Janeiro e São Paulo revelou que 31% dos entrevistados sofreram violações graves de seus direitos no trabalho nos últimos dez anos. O levantamento foi feito pelo Instituto Norberto Bobbio, entidade de promoção dos direitos humanos, e pela consultoria Plano CDE.
Quase um terço dos profissionais ouvidos afirmam que em suas empresas alguns chefes tratam os funcionários de maneira desrespeitosa. Em relação a atitudes discriminatórias, 11% disseram que suas empresas possuem casos de preconceito contra negros, homossexuais, idosos ou mulheres - 7% já foram vítimas diretas deste tipo de atitude. "Os resultados mais preocupantes foram registrados com os profissionais com salários mais baixos, negros e mulheres", afirma Raymundo Magliano, presidente do Instituto Norberto Bobbio e ex-presidente da Bovespa.
De acordo com Magliano, uma das maiores surpresas da pesquisa foi o desconhecimento das pessoas sobre seus direitos. Em média, apenas três foram citados pelos entrevistados - os mais mencionados foram o direito à educação, à saúde e à segurança. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, porém, prevê mais de 30. Segundo Magliano, a falta de informação agrava o panorama de abuso dos direitos humanos, muitas vezes negligenciado pelas lideranças. "É preciso fazer um estudo como este para mostrar que esses problemas realmente acontecem", afirma.
A pesquisa mostra ainda uma percepção nebulosa dos entrevistados sobre as chamadas violações leves. No levantamento, quase 40% disseram não entender os critérios de promoção da empresa e cerca de 45% afirmaram que há salários diferentes para a mesma função. Isso, no entanto, pode ser confundido com as políticas de meritocracia das companhias.
Os resultados variam de acordo com o segmento de atuação das empresas. A indústria apresenta os melhores índices de respeito aos direitos humanos, enquanto os serviços não financeiros são os piores colocados. Para Haroldo da Gama Torres, sócio da Plano CDE, instituto responsável pela pesquisa, existe uma hipótese de que setores com sindicatos fortes e atuantes obriguem as empresas a tratar seus funcionários de maneira mais respeitosa. "A indústria é um segmento organizado e sindicalizado. Já os serviços não financeiros são pulverizados", diz.
Na indústria, mais de 80% dos os respondentes disseram que os funcionários são tratados com educação e mais de 75% sentem que suas opiniões são levadas em conta pelos gestores.
No comércio, onde a questão salarial é diretamente relacionada com as comissões, não há questionamentos sobre remuneração. Por outro lado, a preocupação com a imagem da empresa diante do cliente dá margem a atitudes discriminatórias e a um menor índice de contratações de deficientes e negros.
O setor de bancos e serviços financeiros foi o que registrou o maior índice de desconforto com políticas de valorização do mérito. Metade dos funcionários mencionou o pagamento de salários diferentes para quem tem o mesmo tipo de atividade, formação e tempo de casa. Essas instituições, porém, possuem os departamentos de recursos humanos mais estruturados e um código de ética e conduta. Já os serviços não financeiros tiveram a pior avaliação em todos os quesitos. Nesse segmento, foi registrado o maior índice de maus-tratos, cerca de 30%.
A pesquisa é a primeira iniciativa do Instituto Norberto Bobbio para mensurar a questão dos direitos humanos nas empresas. Com o resultado, a instituição começou a promover cursos sobre o tema para profissionais do mercado financeiro, lideranças e comunidades de trabalhadores. Segundo Raymundo Magliano, essa foi uma reivindicação dos próprios entrevistados. "Não adianta a empresa atender aos requisitos de governança no papel se os líderes não estiverem comprometidos com esses princípios", afirma.

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