Jornal Valor Econômico – Legislação &
Tributos – 10.06.2014 – E1
Dissidência, greve e pluralidade sindical
Por Amauri Cesar Alves
O país assiste em 2014 o surgimento de um
movimento teoricamente original, espontâneo e descentralizado de trabalhadores
insatisfeitos ao mesmo tempo com seu empregador e com seu sindicato. As
denominadas dissidências sindicais parecem ser a reunião de trabalhadores, sob
liderança de alguém que não faz parte da direção do sindicato representativo da
categoria, cujo objetivo é confrontar, ao mesmo tempo, o empregador e a
representação sindical constituída. Tais dissidências aproveitam momentos
oportunos para promover paralisação das atividades. Esse fenômeno provoca a
necessidade da discussão do instituto da greve e da liberdade sindical no
Brasil.
Embora haja teoria ampliativa do conceito de
greve, coerente com a liberdade preconizada no artigo 9º da Constituição da
República, a Lei de Greve ainda exige a participação do sindicato para a
deflagração do movimento, cuja decisão emana da assembleia. Exige também a
comunicação formal e prévia ao empregador, bem como seu início ordinário apenas
no momento da negociação coletiva. Nada disso parece, entretanto, preocupar as
dissidências sindicais. Teoricamente e em termos formais a paralisação
espontânea e descentralizada, que sequer pode ser greve nos termos estritos da
Lei 7.783, de 1989, está fadada à ilegalidade. Em análise estrita dos termos da
Lei 7.783 não deve o Poder Judiciário declarar a abusividade da greve em tais
casos, pois tecnicamente ela inexiste. Não pode condenar o sindicato
representativo da categoria, pois ele não é responsável pela paralisação. Pode,
entretanto, condenar os líderes dos movimentos, individualmente considerados,
caso haja atos ilícitos praticados durante as paralisações.
A realidade atual exige releitura do artigo
8º Constitucional, que trata da representação sindical e deve exigir, hoje,
fática e juridicamente, liberdade sindical. Possível compreender,
contrariamente à doutrina e jurisprudência consolidadas no Brasil, que a
pluralidade sindical é, ao mesmo tempo, exigência constitucional e realidade
fática. Assim, é importante compreender a liberdade sindical como direito
fundamental de aplicação imediata, nos termos da regra contida no artigo 5º,
parágrafo 1º da Constituição da República, bem como a normatividade dos
princípios constitucionais.
Por meio da institucionalização dos novos
sindicatos concorrentes virão responsabilidades em âmbito coletivo
A afirmação da liberdade sindical como
direito fundamental que tem seu valor básico ratificado pelo Brasil em tratados
de direitos humanos e consequente aplicabilidade direta no plano das relações
intersubjetivas exige do intérprete do direito uma nova compreensão sobre o
sindicato. Duas são as possibilidades interpretativas, no atual cenário
normativo plural, que ensejarão releitura do disposto no artigo 8º da
Constituição e, como consequência, no artigo 511 da CLT: inconstitucionalidade
da regra constitucional da unicidade e interpretação tópico-sistemática do
direito posto. A primeira, inconstitucionalidade da regra constitucional da
unicidade, tem por base a doutrina alemã de Otto Bachof. O suposto é a
possibilidade de existência - já anteriormente negada pelo Supremo Tribunal
Federal (STF), em outra composição - de inconstitucionalidade de regra
constitucional, o que ensejaria a interpretação de desconformidade da regra da
unicidade com o princípio (revelador de direito fundamental) da liberdade
sindical. A segunda, que pretende a compatibilização tópico-sistemática entre
liberdade sindical e unicidade, pressupõe a prevalência do princípio da
liberdade sindical sobre a regra da unicidade, que se preserva apenas para a
indicação do sindicato mais representativo.
Todas as transformações aqui apresentadas,
sobretudo aquelas de matriz constitucional, possibilitarão uma releitura do
artigo 511 da CLT, que, em cenário de pluralidade sindical, pressupõe o direito
dos trabalhadores de constituir organizações conforme escolha dos interessados.
Os sindicatos (por profissão, categoria profissional, empresa ou segmentos
econômicos) concorrerão livremente para a representação coletiva neste cenário
possibilitado por uma nova interpretação do sistema jurídico brasileiro.
Assim, quem quiser ser dissidente da
representação sindical estabelecida deve criar seu sindicato e com ele divergir
institucionalmente. Todos os que quiserem podem fundar seu sindicato, ainda que
existente outra instituição na mesma base territorial. É claro, entretanto, que
com a institucionalização dos novos sindicatos concorrentes virão
responsabilidades legais em âmbito coletivo, o que não há na dissidência pura e
simples, pois ficam estas restritas ao indivíduo.
Já há então, de fato, pluralidade sindical
no Brasil, ainda que marcada pelas divergências sindicais, o que exige um
posicionamento do Poder Judiciário Trabalhista diferente daquele tradicional,
fundado em uma ultrapassada, inconstitucional ou imprópria, unicidade sindical.
Mais uma vez a pressão da realidade trará a reconstrução interpretativa do
direito.
Amauri Cesar Alves é doutor e mestre em
direito (PUC-MG), professor da Universidade Federal de Lavras (Ufla) e Fundação
Pedro Leopoldo (FPL)
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