quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Acordo coletivo com propósito específico - II

Jornal Valor Econômico - Legislação & Tributos - 08.08.2012 - E2


Flexibilização trabalhista especial


Por Julio Scudeler Neto

A flexibilização das leis trabalhistas no Brasil tem sido objeto de estudos e polêmicas ao longo do tempo. Não há consenso sobre essa alternativa jurídica para que as próprias partes da relação de trabalho transacionem a aplicação de determinados dispositivos legais, adequando-os às suas realidades e necessidades.

Em 2001, o projeto de lei nº 5.483 do Poder Executivo propunha que as condições de trabalho ajustadas entre as partes, mediante convenção ou acordo coletivo, prevalecessem sobre o disposto na lei, desde que não contrariassem a Constituição Federal e as normas de segurança do trabalho. O projeto de lei foi arquivado.

Recentemente, esse assunto voltou à tona com o anteprojeto de lei que cria o "acordo coletivo de trabalho com propósito específico" ou "acordo coletivo especial", disciplinando a nova forma para empresas e sindicatos profissionais adequarem à aplicação das leis trabalhistas, além de regulamentar vários outros aspectos não menos discutíveis e que merecem um debate mais amplo com a sociedade, como: a instituição do comitê sindical de empresa e a habilitação do sindicato profissional no Ministério do Trabalho e Emprego.

É fato: a legislação trabalhista criada pelo Estado para regular as relações entre empresas e trabalhadores está longe de atender a sua finalidade. A negociação coletiva de trabalho é o meio para atingir esse objetivo.

A Constituição Federal, prestigiando o processo de autocomposição de conflitos coletivo do trabalho entre empresas e sindicatos, reconheceu os acordos e convenções coletivas de trabalho como instrumentos jurídicos legítimos para disciplinar as suas relações de trabalho.

No acordo coletivo especial do anteprojeto, merece destaque o objetivo de incentivar a negociação coletiva, como diálogo entre a empresa, os empregados e os sindicatos profissionais na criação e adequação de normas jurídicas nas relações de trabalho.

Ocorre que esse processo de flexibilização da legislação pela negociação coletiva tem como limite a natureza da norma jurídica que se pretende adequar. Tratando-se de norma jurídica de indisponibilidade absoluta, como as normas de saúde e segurança do trabalho, não será possível ser alterada pela via negocial, salvo expressa disposição legal. A questão, aparentemente simples, é complexa na interpretação das normas que poderiam ser objeto de adequação pelas partes. O entendimento jurisprudencial é cada vez mais restritivo.

Precisamos revisitar nosso ultrapassado modelo de organização sindical

Para a efetividade jurídica da flexibilização trabalhista é necessário o "desengessamento" dessas normas no nosso ordenamento jurídico. Defendemos uma legislação trabalhista menos rígida e menos regulamentadora, com mais espaços para a criação e adaptação pelas partes da relação laboral. O meio e a forma já estão previstos na nossa legislação: a negociação coletiva e os acordos e as convenções coletivas. É discutível a criação de uma nova espécie de instrumento coletivo com esse fim. Para uma flexibilização mais segura e ampla da legislação, temos que ter previsões expressas nesse sentido no ordenamento jurídico ordinário e, até mesmo, constitucional (PEC), sob pena de ineficácia do negociado, com prováveis passivos trabalhistas para as empresas.

A Constituição Federal traz as hipóteses em que as partes podem flexibilizar determinados direitos sociais dos trabalhadores, independentemente da sua natureza, via acordo ou convenção coletiva de trabalho, tais como: a irredutibilidade salarial e a duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais.

Assim, quando a empresa negocia com o sindicato profissional uma jornada de trabalho flexível, como o "banco de horas", trata-se de um acordo coletivo com o fim específico de compensação de horas. O mesmo ocorre ao negociar, numa determinada situação, a redução salarial temporária dos seus empregados, por meio de um acordo coletivo com esse fim específico. São acordos coletivos especiais já existentes. Haveria necessidade de uma nova espécie de acordo coletivo? De Comissão Sindical nas empresas? De certidão do Ministério do Trabalho e Emprego habilitando o sindicato dos trabalhadores a negociar?

O ferramental jurídico para a adequação legal já está disponível para as empresas e sindicatos, inclusive, num nível mais amplo, que é a convenção coletiva de trabalho, muito embora a especificidade esteja mais próxima de ser atendida pelo acordo coletivo, no âmbito da empresa.

O que falta é uma maior segurança jurídica para a ampliação das possibilidades de adequação da legislação pelas próprias partes. Além disso, precisamos revisitar o nosso modelo de organização sindical, igualmente ultrapassado e contrário aos princípios da ampla liberdade sindical da OIT, para termos entidades sindicais mais legítimas para defender os interesses dos seus filiados, inclusive nos processos de negociação coletiva com o propósito específico de flexibilizar a legislação trabalhista.

Julio Scudeler Neto é advogado, especialista em direito do trabalho, mestre em direito das relações sociais pela PUC-SP e professor universitário.



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