quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Autuações questionadas

Multas incomuns são questionadas
Laura Ignacio De São Paulo
22/09/2010
Claudio Belli/Valor

Advogada Cláudia Maluf: a fiscalização não entende o que o contribuinte faz e nem
se esforça para isso

Uma indústria alimentícia paulista foi multada em R$ 10 milhões pela Receita
Federal por "apresentação incorreta dos dados fornecidos em meio magnético".
Onde deveria digitar o número 1, acabou preenchendo com "000001". Só depois de
três anos, a companhia conseguiu vencer a batalha contra o Fisco. O Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) reconheceu que a suposta divergência
consistia apenas na digitação de zeros à esquerda. Autuações como essa são
consideradas desnecessárias pelos contribuintes, pelos gastos e problemas que
geram para os negócios das empresas.
A fiscalização federal reconhece eventuais falhas nos procedimentos, mas se
defende ao afirmar que, nos últimos cinco anos, 82,5% dos autos de infração
lavrados foram mantidos na esfera administrativa. No ano passado, a Receita
Federal fiscalizou cerca de 400 mil contribuintes e lançou R$ 90 bilhões em multas.
O controle sobre as disputas administrativas começou a ser realizado neste ano,
segundo o subsecretário de fiscalização, Marcos Vinícius Neder. O percentual
passou a ser levado em consideração junto com o número de contribuintes
fiscalizados e o valor total de autos lançados. "Por haver o risco de eventuais
falhas, nós fazemos esse controle", diz.
Para especialistas, parece existir má vontade da fiscalização - tanto federal como
estadual - em entender o "business" do contribuinte. Outros alegam que o Fisco,
em caso de dúvida, prefere autuar. O problema é que as multas trazem implicações
imediatas para os negócios das empresas. Para as de capital aberto, o problema é
ainda maior. A transparência obrigatória sobre as provisões contábeis - feitas em
razão de discussões judiciais em trâmite - faz com que o risco de a companhia ser
autuada aumente. O advogado Luiz Roberto Peroba Barbosa, sócio do Pinheiro Neto
Advogados, lembra que uma empresa paulista chegou a ser multada em R$ 15
milhões por contribuições previdenciárias devidas com base em provisão contábil
Demarest e Almeida Advogados - Biblioteca
para pagamento de futura contingência trabalhista. "Isso deixa o investidor
estrangeiro em pânico porque estraga o plano de investimento da empresa",
afirma.
"A fiscalização não entende o que o contribuinte faz e nem se esforça para isso", diz
a advogada tributarista Cláudia Maluf, do escritório Demarest & Almeida
Advogados. "Por isso, vemos muito auto de infração mal lavrado." São comuns
casos que envolvem reciclagem. Ao avaliar o estoque de uma indústria de papel, a
Receita Federal ignorou o fato de que as aparas - sobras de papel após o corte -
são recicladas. Como elas não são comercializadas, não seriam tributadas. Apesar
disso, o Fisco multou a indústria em R$ 3 milhões. "O grande problema, nesse tipo
de caso, é a desinformação do fiscal sobre o negócio da empresa", afirma Luiz
Girotto, sócio do Velloza, Girotto e Lindenbojm Advogados.
Em São Paulo, no entanto, a fiscalização alega estar bem preparada. Antes de ir a
campo, os fiscais são treinados em contabilidade, direito tributário e informática.
Há cerca de 12 anos, José Clóvis Cabrera, diretor executivo da administração
tributária, trabalha com equipes especializadas em fiscalização setorial - como o
setor de eletrodomésticos. Além disso, desde 1999, há uma sistemática de controle
de qualidade na Fazenda de São Paulo. Se o auto for maior que R$ 1,3 milhão,
além de ser conferido pela equipe de fiscalização, a autuação passa pela análise de
delegados, inspetores e especialistas no tema da fiscalização. Segundo Cabrera,
isso faz com que cerca de 85% dos autos sejam mantidos.

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Os representantes dos fiscais da Receita Federal e da Fazenda paulista rejeitam a
afirmação de que aplicam autos de infração considerados desnecessários pelos
contribuintes. Eles lembram que as empresas têm o direito de contestá-los
administrativamente ou no Judiciário. "O procedimento é sempre baseado em uma
ordem que diz exatamente o que o fiscal deve verificar", afirma o presidente do
Sindicato dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo (Sinafresp), Ivan
Netto Moreno.
Para o secretário-geral do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita
Federal do Brasil (Sindifisco), Claudio Marcio Damasceno de Oliveira, o auditor tem
independência para lavrar o auto, "mas o faz baseado nos atos normativos e na
legislação". Ele, no entanto, reconhece que são editados muitos atos normativos
durante o ano. "Mas isso é um problema de toda a legislação brasileira."
Especialistas em direito tributário, porém, afirmam que a política de bônus e a
inexistência de uma corregedoria eficiente são algumas das possíveis causas para
os problemas nas autuações. "A corregedoria da Receita só penaliza atos ilegais,
como os de corrupção, mas não erros técnicos ou éticos", diz Plínio Marafon, sócio
do escritório Braga e Marafon Advogados.
A Fazenda de São Paulo fixa metas que podem aumentar em até 44% o salário do
fiscal. A remuneração do profissional, segundo dados do sindicato da categoria,
varia de R$ 6,8 mil a R$ 9,6 mil e pode ter um acréscimo mensal de R$ 2,5 mil a
R$ 3 mil, se for alcança a meta estipulada. Na Receita, não há bônus por
cumprimento de metas. Um fiscal da Receita ganha entre R$ 13,6 mil e R$ 19,45
mil por mês. (LI)
Demarest e Almeida Advogados - Biblioteca

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