quinta-feira, 8 de julho de 2010

Centrais sindicais

Valor Econômico - Especial - 07.07.2010 -A12

Movimento social: Em 18 meses, mais de 1,5 mil entidades foram filiadasDe olho no caixa, centrais correm atrás dos sindicatos
João Villaverde, de São Paulo
07/07/2010

Davilym Dourado/valor

Juruna, da Força Sindical: "Visitamos os sindicatos independentes, mas quando ouvimos que há alguém desgostoso com alguma central, marcarmos reuniões"

Dos 9,1 mil sindicatos brasileiros, mais de 63% estão ligados formalmente a alguma central sindical e outros 2,8 mil sindicatos aguardam na fila das centrais o reconhecimento do governo, enquanto o número de sindicatos independentes diminui rapidamente. Em dezembro de 2008, menos da metade dos sindicatos eram filiados às centrais - cerca de 47%. Desde o fim de 2008, por exemplo, a Força Sindical filiou quase um sindicato por dia, enquanto a UGT tem hoje 1.047 entidades na fila de reconhecimento do Ministério, e a CUT pode chegar a 2 mil sindicatos filiados até o fim deste ano.

As seis centrais sindicais reconhecidas pelo governo estão travando uma verdadeira guerra para pôr sua bandeira em velhos e novos sindicatos. Quanto mais entidades e mais trabalhadores representados, maior é o repasse de dinheiro oriundo do imposto sindical que elas recebem do Ministério do Trabalho. Para ganhar mais, as centrais avançam sobre sindicatos que já existem - independentes ou que pertencem à outras centrais - ou criam outros em categorias já representadas, aproveitando brechas na legislação trabalhista. Em jogo, a divisão do imposto sindical, cuja parcela destinada às centrais deve superar R$ 100 milhões este ano.

O número de sindicatos independentes no país diminui velozmente. Dos cerca de quatro mil que permaneciam distantes das centrais em janeiro do ano passado, mais de 800 já preencheram a ficha de filiação e iniciaram pagamento mensal às seis centrais. Levantamento realizado pelo Valor em março apontava que o dinheiro oriundo dos repasses federais representava cerca de 80% do orçamento das centrais. De lá para cá, as entidades aumentaram o número de associados - que precisam pagar cotas mensais -, mas a fatia do imposto sindical continua ocupando o mesmo espaço. Em algumas, como a Força Sindical, dona do segundo maior orçamento entre as centrais, o imposto sindical representa quase 100% das receitas disponíveis - mais de R$ 30 milhões. A Força, no entanto, não diminui o ritmo: é a central que mais sindicatos filiou de dezembro de 2008 até o mês passado, 450, quase um por dia.

Para aumentar o total de sindicatos filiados, algumas centrais desenvolveram equipes regionais, treinadas nas sedes nacionais. Essas equipes contactam os sindicatos independentes com kits e apresentações sobre as entidades. Algumas oferecem "presentes", segundo constatado pelo Valor.

A NCST realizou reunião segunda-feira em sua sede nacional, em Brasília, para discutir as diferentes formas de abordagem. "Trata-se de um trabalho muito importante para nós", diz José Calixto, presidente da NCST. A central fechou 2009 com 6,7% de representatividade, o que permitiu o repasse federal desse ano - que deve atingir mais de R$ 10 milhões -, mas não garante o imposto sindical no ano que vem, quando o mínimo exigido pelo governo será elevado a 7%.

"Estamos com tempo de vida contado. Ou aumento o número de sindicatos ou desapareço", diz Calixto, que vai se reunir com as centrais junto ao Ministério para debater os critérios. "Mas não tem muito jeito. Nós todos concordamos em 2008 com as regras do governo. Resta trabalhar sobre os independentes para ampliar a filiação".

Os 666 sindicatos registrados pela UGT no Ministério do Trabalho em dezembro do ano passado davam à entidade a quarta colocação em representatividade - 7,2%, segundo os critérios do Ministério - e terceiro maior repasse do imposto sindical - R$ 13,7 milhões. Ao Valor, o presidente da entidade, Ricardo Patah, que também preside o sindicato dos comerciários de São Paulo, afirmou que a central espera receber 30% mais em 2010. Nos primeiros cinco meses do ano, a UGT já registrou 101 sindicatos, mas conta com um trunfo: é a central com maior número de sindicatos na fila do Ministério esperando a formalização - 1.047. "Temos 60 pessoas trabalhando no Brasil inteiro que levam a mensagem da UGT, carregando material que produzimos e apresentando nossas práticas", diz Patah. Todo tipo de sindicato é abordado? "Não, apenas os independentes, mas claro que muitos outros, ligados a diferentes centrais, vem nos procurar", afirma.

A Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), com 281 sindicatos formalizados e 5% de representatividade, no fim de 2009, aposta na realização de seu congresso nacional, em dezembro desse ano, para agilizar a filiação.

Até o mês passado, a central já ampliara sua base em 47 sindicatos, além de outros 190 na fila. "Mas em dezembro teremos um boom de filiação porque para votar e ocupar cargos na direção da entidade, pontos definidos no congresso, os sindicatos precisam estar com pagamentos em dia na central, assim todos acertam suas pendências antes", diz Antônio Neto, presidente da CGTB, que avisou que a entidade está preparada para ingressar no Ministério tão logo a situação dos sindicatos com a central se normalizem.

As duas maiores centrais sindicais do país, CUT e Força Sindical, respondem, juntas, por cerca de 3,3 mil sindicatos. Número igual de entidades permanecem independentes, mas outras 980 aguardam por formalização entre as duas. Com crescimento mais acelerado, de 47,4% entre dezembro de 2008 e junho de 2010, a Força aposta na fatia de sindicatos que permanecem independentes. Segundo João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da Força, há membros da entidade espalhados no país que abordam os sindicatos independentes. "Mas quando ouvimos que há alguém desgostoso com uma central, entramos em campo com nosso trabalho de apresentação", diz.

Para Juruna, CUT e Força contam principalmente com seu tamanho como poder de atração. As visitas ao site da Força refletem esse pensamento, avalia Juruna. De acordo com ele, a página da central na internet recebeu em média 60 mil acessos mensais no ano passado. No primeiro semestre de 2010, a média subiu 40%.

Com cerca de 500 sindicatos regularizados no governo a mais que a Força, a CUT, dona da maior fatia do imposto sindical e líder no número de sindicatos filiados, é a que apresenta crescimento mais lento. Enquanto as outras cinco entidades reconhecidas pelo governo apresentaram altas próximas a 50% no número de sindicatos filiados entre o fim de 2008 e o mês passado, a CUT ampliou sua base em apenas 12,6%. Por outro lado, se repetir o desempenho de formalização registrado no primeiro semestre, a CUT fechará o ano com 2 mil sindicatos formalizados no governo, com expectativa de receber mais de R$ 31 milhões do imposto sindical ao longo do ano.


Presentes e promessas de poder valem na conquista

De São Paulo
07/07/2010

Sérgio Zacchi/Valor

Marco Oliveira, do sindicato dos operadores de telemarketing em SP: "Quem tem dois empregos tem dois sindicatos"
No jogo pela sindicalização há desde a disputa entre centrais para retirar sindicatos uma das outra até a criação de sindicatos que representam a mesma categoria - algo proibido pela Constituição brasileira. No primeiro caso, o movimento costuma ser político. O Valor apurou que diferenças ideológicas e oportunidade de ganhar espaço na direção das centrais são o principal fator de atração, por parte dos sindicatos.

Entidades com forte ligação partidária, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) com o PT e a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) com o PC do B, servem como polo para sindicatos liderados por correntes desses partidos. Outras, como a União Geral dos Trabalhadores (UGT) são atraentes para sindicalistas que divergem do apoio ao governo Luiz Inácio Lula da Silva - a UGT foi a única das seis centrais que não participou da Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), promovida no 1º de junho em São Paulo, alegando temer "ato político pró-Dilma", em referência a candidata do PT à Presidência.

Ao mesmo tempo há a ação das centrais para engordar suas bases. Ações pacíficas, como o diálogo e o convencimento de sindicatos independentes, convivem com atitudes agressivas de cooptação financeira daqueles que pertencem a outras centrais. Há entrega de presentes, como TVs, computadores e móveis e promessas de poder.

É o caso do sindicato dos motoboys da Baixada Santista, que representa cerca de 20 mil motoqueiros. Dirigentes de três centrais afirmaram ao Valor que o sindicato foi alvo de presentes das entidades - nos últimos 12 meses o sindicato mudou de central três vezes. Durante as trocas, a sede do sindicato chegou a receber TVs, computadores e móveis. Em setembro do ano passado, o sindicato fez sua última troca: da UGT para a Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST). Paulo César Barbosa, o Paulão, presidente do sindicato, afirmou à reportagem que os presentes não são perfeitos. "Ganhamos três computadores já. Um era novo, mas outro era usado e o último veio quebrado", disse Paulão, que reclamou também dos móveis. "Os dois móveis que recebi estão mais velhos e gastos que muitos vendidos em brechó".

Para Paulão, a disputa pelo sindicato foi "leve". "As centrais antes brigavam, agora elas compram. Mas o interesse é maior nos sindicatos maiores, com mais trabalhadores na base e mais sindicalizados, não querem o nosso", afirma. De acordo com ele, os gastos totais do sindicato no ano serão de R$ 30 mil. "Dirigente de central que vem aqui e escuta isso já desiste. Eles querem tubarão grande", diz.

Segundo Wagner Gomes, presidente da CTB, a aprovação da lei que instituiu o repasse do imposto sindical às centrais e condicionou o pagamento à representatividade, serviu de gatilho. "A partir dali é que começou trabalho de regularização e também de corrida por novos sindicatos".

Menos comum, mas também implementada é a tática de aproveitar brechas na legislação para criar sindicatos. O secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna, conta que as centrais lutam para manter suas bases sem racha.

De acordo com o artigo 8º da Constituição, é vedada a participação de dois ou mais sindicatos para a mesma categoria em um município. "É possível ter um sindicato respondendo pela região de Osasco, que conta com alguns municípios. Mas se um grupo se fortalecer em um desses pequenos municípios e constituir um sindicato, ele pode, porque a lei permite", explica Juruna. "Explicamos e conversamos muito com as bases para evitar esses rachas", diz.

Há casos, no entanto, em que mesmo a lei é subvertida. É o que ocorre com os trabalhadores de atendimento telefônico e telemarketing, categoria ainda não regulamentada - o que permite rachas e diferentes interpretações. Em São Paulo, os 300 mil trabalhadores da categoria tem dois sindicatos a disposição. O Sintetel, ligado a Força Sindical, fundado em 1942, representa os funcionários que evoluíram dos antigos "teleatendentes" da Telesp. O Sintratel, fundado 50 anos depois, e filiado à CTB, representa os operadores de telemarketing.

Em sua maioria, o Sintetel representa os atendentes de empresas de telefonia, como Vivo, Claro e Embratel, enquanto o Sintratel responde pelos operadores de empresas de call center, que prestam serviço de forma terceirizada a outras companhias. "Mas há casos de operadores com dois trabalhos. Então, o sujeito é representado pelo Sintetel num emprego e pelo Sintratel em outro", diz Marco Aurélio Oliveira, presidente do Sintratel.

A disputa entre os dois sindicatos deve chegar aos tribunais. Segundo Almir Munhoz, presidente do Sintetel, "a atuação do Sintratel confunde e prejudica os trabalhadores, servindo apenas à CTB". Munhoz afirmou ao Valor que o sindicato "vai partir para o confronto, juridicamente falando". Por se tratar de disputa constitucional o caso pode alcançar o Supremo Tribunal Federal (STF).

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