segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Morte por excesso de trabalho

Valor Econômico - Internacional - 02/01/2017 ­- p. A9

Morte por excesso de trabalho não é um problema só do Japão
Por Kentaro Iwamoto e Yu Nakamura

"Adeus, minha amada a preciosa mãe. A vida, o trabalho e tudo mais é doloroso". Após enviar esta mensagem para sua mãe, Matsuri Takahashi, então funcionária da Dentsu, a maior agência de propaganda do Japão, pulou da janela de um dormitório da companhia em Tóquio em 25 de dezembro de 2015. Seu suicídio foi, mais tarde, oficialmente reconhecido como um caso de "karoshi" ­ morte por excesso de trabalho. A lei "karoshi" japonesa cobre os suicídios e mortes provocados por doenças relacionadas ao excesso de trabalho. Embora a Dentsu tivesse um acordo de trabalho limitando as horas extras a 70 por mês, Takahashi, que tinha 24 anos, estava fazendo mais de 100 horas extras. O caso elevou as pressões do governo contra as práticas trabalhistas, que culminaram com o anúncio da renúncia do presidente da Dentsu, Tadashi Ishii, na semana passada. Ele pediu desculpas à família de Takahashi e reconheceu que a cultura de longas horas de jornada da companhia não tinha melhorado. O primeiro suicídio oficialmente reconhecido por causa de excesso de trabalho também foi de um funcionário da Dentsu. Ichiro Oshima, de 24 anos, não teve um único dia de folga em 17 meses e dormia uma média de menos de duas horas por noite. Mesmo assim, durante o julgamento em 1997, a Dentsu argumentou que problemas pessoais levaram ao suicídio de Oshima em 1991. A cultura de trabalho da Dentsu é notoriamente exigente. "Somos uma empresa que pensa no cliente em primeiro lugar", disse um funcionário, na casa dos 50 anos, à "Nikkei Asian Review". Dele e de seus colegas, espera­se que façam de tudo para satisfazer os clientes. Essa cultura corporativa enérgica ajudou a Dentsu a forjar suas conexões próximas com anunciantes, a mídia e até mesmo o governo. A companhia oferece alguns dos maiores salários do país e atrai diplomados das maiores universidades. Com cerca de sete mil funcionários em seus vários negócios, a Dentsu exerce enorme influência no Japão. Embora o suicídio de Takahashi tenha lançado nova luz sobre o problema, a questão do "karoshi" não é novidade no país. Segundo o Ministério do Trabalho japonês, no ano fiscal até março de 2016 houve 96 mortes decorrentes de males oficialmente reconhecidos como relacionados ao excesso de trabalho. No mesmo período, 93 suicídios ou tentativas de suicídio foram reconhecidos como causados pelo excesso de trabalho. O fenômeno se tornou tão conhecido internacionalmente que a palavra "karoshi" entrou nos dicionários de língua inglesa. Os detalhes podem variar, mas outros países da Ásia também enfrentam o problema do excesso de trabalho. Segundo os dados mais recentes da Organização Internacional do Trabalho (OIT), 32% dos trabalhadores da Coreia do Sul trabalham 49 horas ou mais por semana. A relação é de 30% em Hong Kong, 25% em Cingapura e 21% no Japão. Esses números contrastam de forma gritante com o que se vê no Ocidente: nos Estados Unidos são apenas 16% e, na França, 10%. Não há dados da OIT para a China, mas mortes relacionadas ao excesso de trabalho também já foram relatadas no país. Um caso trágico ocorreu apenas 12 dias antes do suicídio de Takahashi, no Japão. Em 13 de dezembro de 2015, Li Junming, funcionário do principal portal da internet na China, a Tencent Holdings, morreu subitamente enquanto caminhava com a esposa perto de casa. Li era um funcionário de destaque, comandava uma equipe de desenvolvimento na seção de videogames, apesar de jovem, na faixa dos 30 anos. Convencidos de que Li morreu por excesso de trabalho, seus colegas fizeram um abaixo­assinado exigindo que a Tencent melhore as condições de trabalho. A empresa deveria "pensar muito na saúde mental dos funcionários e permitir a eles encerrar o trabalho às 20h a partir de 2016", dizia a petição. O excesso de trabalho aparentemente era uma preocupação séria compartilhada por todos, uma vez que muitos funcionários assinaram a petição, que foi apresentada à cúpula da companhia. Mortes decorrentes do excesso de trabalho também já ocorreram em outras companhias chinesas conhecidas ­ e a frequência vem aumentando. A imprensa chinesa noticiou que uma funcionária da Alibaba Group Holding morreu subitamente no segundo trimestre de 2014, pouco antes de dar à luz. Pouco tempo antes, a mulher havia sido promovida a operadora administrativa do site de comércio eletrônico da companhia, o Tmall, seis anos após entrar para a Alibaba. Pessoas próximas atribuíram sua morte ao excesso de trabalho. Todo ano, cerca de 600 mil pessoas supostamente morrem na China devido ao excesso de trabalho, uma estatística que muitos especialistas atribuem ao crescimento econômico acelerado do país. Lu Shangbin, professor da Universidade Wuhan, diz que os trabalhadores sofrem uma pressão intensa das empresas que buscam sempre maximizar os lucros. As leis do trabalho da China determinam que os trabalhadores não devem ter uma carga horária de mais de oito horas por dia e 44 horas por semana. Mas a lei não vem acompanhando o rápido crescimento da economia. As leis relacionadas aos contratos de trabalho e empregos são especialmente propensas a interpretações ambíguas. Cerca de três mil disputas trabalhistas ­ incluindo manifestações e greves ­ ocorrem anualmente e não há sinais de diminuição dessa tendência. O excesso de trabalho é um problema disseminado na região, mas as longas horas de trabalho não estão tornando os países asiáticos mais produtivos. Segundo dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Produto Interno Bruto (PIB) por hora trabalhada do Japão e da Coreia do Sul foi de US$ 40,10 e US$ 28,90, respectivamente, em 2012; muito abaixo do obtido na Noruega (US$ 86,60), EUA (US$ 64,10) e Alemanha (US$ 58,30). Roland Berger, fundador da consultoria alemã que carrega seu nome, diz que a produtividade do setor de serviços do Japão é relativamente fraca em comparação à do setor industrial. "O Japão deveria ser mais ambicioso na aplicação e implementação de tecnologias digitais nas funções de colarinho branco", disse à "Nikkei Asian Review". Jon Messenger, especialista sênior da OIT sobre condições de trabalho, destaca um ponto importante: "Em geral, horas de trabalho mais longas estão associadas à menor produtividade, enquanto menos horas de trabalho estão associadas à produtividade maior". Messenger aponta para os resultados de um estudo empírico que cobriu 18 setores manufatureiros nos EUA. Ele constatou que um aumento de 10% nas horas­extras resulta em uma queda de 2,4% na produtividade. Messenger acrescenta que, uma análise acadêmica da literatura ocupacional de segurança e saúde recente, mostrou que "as longas horas de trabalho estão ligadas ao aumento dos riscos de acidentes e doenças, que elevam os custos para as empresas e para a economia como um todo". Os limites legais às horas extras, combinado com a "fiscalização efetiva", incluindo um órgão forte de inspeção e penalidades financeiras, são necessários para reduzir as horas de trabalho, diz Messenger. Salários adequados também são indispensáveis. "De outra forma, os trabalhadores precisarão fazer o maior número possível de horas extras para pagar as contas". Algumas pessoas trabalham muito porque gostam do que fazem, enquanto outras são motivadas pelo dinheiro ou pela chance de progredir. Mas o excesso de horas extras é uma prática insustentável, para os funcionários e, no longo prazo, para a economia.

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