terça-feira, 22 de novembro de 2011

Legislação trabalhista italiana caótica

Jornal Valor Econômico - 21.11.2011

Lei trabalhista congela a economia italiana


Por Stephan Faris | Bloomberg Businessweek

Trabalhadores fazem greve de um dia em Roma, em outubro; em média, italianos param seis vezes mais que alemães
Se você quiser saber qual dos muitos problemas da Itália é o mais assustador, não precisa olhar além da primeira sentença de sua constituição, escrita em 1947, que descreve o país como "uma república democrática com base sobre o trabalho". Essa base começou a rachar. A economia da Itália não pode mais se dar ao luxo de conceder os benefícios generosos que concedia aos trabalhadores na década de 60, quando o país crescia de 5% a 6% ao ano. Medidas implementadas anos atrás para proteger os trabalhadores não estão só reduzindo o ritmo de expansão da economia, mas afetam de uma maneira perversa os próprios trabalhadores que deveria proteger.

Qual é a gravidade do problema trabalhista? Ela começa com as 2.700 páginas de leis trabalhistas opacas e excêntricas. As leis são tão confusas que muitas demissões de trabalhadores acabam no disfuncional sistema judiciário do país. E, se um juiz decide que um trabalhador foi demitido injustamente, ele provavelmente ordenará que o empregado seja recontratado e receba pelo tempo que ficou parado.

"Quando um investidor quer saber sobre os custos de desligamento, todos os outros países podem dar uma resposta", diz Pietro Ichino, senador italiano e professor de legislação da Universidade de Milão. "A Itália não."

Duccio Astaldi, presidente da Condotte, uma das maiores construtoras da Itália, diz que a dificuldade de demitir sempre o impede de contratar quando a situação econômica está boa. "É mais fácil eu me separar de minha esposa do que demitir um funcionário", diz ele.

Os contratos de trabalho italianos são negociados nacionalmente. Líderes sindicais e federações patronais estabelecem escalas de remuneração, pacotes de benefícios e condições de emprego para todas as categorias - metalúrgico, trabalhadores da indústria têxtil, do setor da construção, jornalistas e até empregadas domésticas e babás. Os trabalhadores - especialmente os servidores públicos - têm garantidos os mesmos salários enquanto viverem. Não importa que viver em Milão seja 10% mais caro que em Nápoles.

A negociação nacional dos contratos de trabalho também remove quase todo incentivo ao comprometimento. Um sindicato baseado numa única fábrica ou companhia pode querer garantir que seu empregador continuará sendo lucrativo. Os negociadores nacionais possuem motivos diferentes: uma ânsia pela exposição à mídia que as turbulentas negociações salariais geram, a vontade de impor sua ideologia de esquerda nas negociações, ou que negociações sejam ponto de partida para o lucrativo establishment político. "Está em nosso DNA negociações significarem conflito", diz Giorgi Elefante, analista da PwC em Milão.

O resultado é paralisante. O Fórum Econômico Mundial classifica a Itália na 123ª posição entre um total de 142 países no ranking de eficiência de mercado de trabalho. Os empregadores são privados da capacidade de inovação, de experimentar para introduzir novas formas de estruturas salariais.

Enquanto isso, greves nacionais acontecem como se fossem feriados - quase todo mês e quase sempre às segundas ou sextas para garantir um fim de semana prolongado. Em média, as horas que os trabalhadores italianos passam em greve são quase seis vezes mais que as dos colegas alemães, segundo o European Industrial Relations Observatory. Na última década, a produtividade ficou estagnada, enquanto seus vizinhos do norte ganharam eficiência.

A legislação complicada da Itália e as relações contenciosas são responsáveis por muitos absurdos. Alguns bancos, inclusive o Intesa Sanpaolo, o maior do país, oferecerem a funcionários que aceitam participar de planos de antecipação de aposentadoria, a oportunidade de indicar um membro da família para substituí-los.

As empresas italianas são famosas pelo tamanho pequeno - cerca de 95% das empresas do país empregam menos de 10% da força de trabalho. Um dos motivos de elas permanecerem tão pequenas é que assim elas ficam isentas das cláusulas mais duras dos contratos nacionais dos sindicatos.

Outra maneira de um funcionário ou pequeno empresário fugir da enorme burocracia é optar por ficar fora da economia formal. Segundo a OCDE e o Fundo Monetário Internacional (FMI), de 15% a 27% da atividade econômica está na informalidade. Nesse mundo, notas fiscais não existem, impostos não são pagos e o poder dos sindicatos não chega. Enquanto isso, grandes multinacionais podem investir em ambientes mais amistosos. O país atrai menos investimentos estrangeiros diretos, como porcentual do PIB, que qualquer outro país da Europa, exceto a Grécia, segundo a Unctad.

Os empregadores há anos lutam contra os sindicatos por mais flexibilidade. O resultado é uma força de trabalho de três níveis, uma estrutura que os italianos apelidaram de "apartheid". Dos 27 milhões de trabalhadores do país, 15 milhões (a maioria com mais de 40 anos) gozam de empregos estáveis com privilégios garantidos. Outros 8 milhões, mais jovens, formam um exército crescente de independentes que trabalham sob contratos de curto prazo que são continuamente prorrogados. Chamados de precários, eles não recebem nenhum dos benefícios que em tese teriam sob as generosas leis trabalhistas. Os restantes 4 milhões trabalham na desprotegida economia informal, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas.

Aqueles que estão no nível mais alto agarram-se aos seus empregos, sabendo que, se saírem, provavelmente não encontrarão outro. Ao contrário do que acontece nos EUA, onde a rotatividade constante significa que empregos estão sendo continuamente criados e eliminados, na Itália o mercado de trabalho está amarrado. Os trabalhadores não podem mudar para onde seriam mais produtivos. Potenciais empresários não ousam pedir demissão para abrir negócios próprios, por temerem não conseguir outra boa colocação se não forem bem-sucedidos.

Enquanto a Europa e os EUA tiverem uma vantagem tecnológica sobre o mundo em desenvolvimento, as empresas italianas podem se dar ao luxo de manter algumas ineficiências. A globalização agora significa que um trabalhador de Varsóvia ou Shenzhen tem a mesma probabilidade de estar numa estação de trabalho moderna que um colega em Detroit ou Turim. Se a Itália quiser que seus trabalhadores sejam mais bem remunerados que os dos mercados emergentes, não pode se dar ao luxo de manter o mercado de trabalho congelado. "Normalmente, os países mudam para crescer, para melhorar", diz Giovanni Fiori, professor de administração da Universidade Luiss, de Roma. "Precisamos mudar se não quisermos morrer."

O novo primeiro-ministro, Mario Monti, precisa reformar um país onde as ideias do livre mercado não possuem uma base política. As leis trabalhistas, juntamente com a Previdência - o terceiro ponto intocável da política italiana - são literalmente mortais. Pietro Ichino, o senador que vem defendendo com veemência uma reforma trabalhista, vive sob proteção da polícia desde que dois professores de relações industriais foram assassinados por terroristas de esquerda porque aconselharam o governo sobre como reduzir o emaranhado de leis trabalhistas.

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