sábado, 22 de outubro de 2011

Teletrabalho ou trabalho em domicílio

Valor Econômico - Eu & Carreira - 17.10.2011 - D10

Teletrabalho ainda é uma promessa para companhias no país

Por Maurício Oliveira | Para o Valor, de São Paulo

Apontado como uma tendência para o mundo corporativo na virada do milênio, o teletrabalho, ou o chamado trabalho remoto, ainda não deslanchou no Brasil como se esperava. Na maioria das grandes empresas, a adesão se restringe a situações específicas e não foram registrados avanços significativos nos últimos anos. "Por mais que a tecnologia já permita a um profissional se manter acessível e produtivo sem comparecer diariamente ao escritório, o mundo corporativo parece não estar totalmente convencido de que esse é um bom caminho", lamenta Alvaro Mello, presidente da Sociedade Brasileira de Teletrabalho (Sobratt) e professor da Business School São Paulo.

Militante da causa há duas décadas, ele aposta que três fatores mudarão essa realidade nos próximos anos: o encarecimento dos imóveis, as crescentes dificuldades de deslocamento e as aspirações de maior flexibilidade demonstradas pelos jovens profissionais. "A nova geração valoriza muito a possibilidade de não se submeter a uma separação tão rigorosa entre vida pessoal e profissional, como acontecia com seus pais e avós", diz.

Ironicamente, um exemplo de resistência ao trabalho remoto vem justamente do Google, um dos símbolos da evolução tecnológica e empregador dos sonhos para nove entre dez jovens da chamada geração Y. Com cerca de 300 funcionários no Brasil, a empresa não tem iniciativa de teletrabalho e não incentiva a prática. "Consideramos que trabalhar em casa é uma alternativa que só deve ser usada em casos de extrema necessidade e por tempo limitado", avalia a diretora de RH para a América Latina, Mônica Santos.

Na opinião dela, o convívio é muito importante para que as pessoas se mantenham motivadas e vibrantes e isso tem reflexos diretos no resultado do trabalho. A saída encontrada pela empresa foi tornar o escritório mais atraente para os jovens profissionais. Para isso, recorre a estratégias como ter uma mesa de pingue-pongue e promover eventos como o dia da peruca, em que todos podem trabalhar ostentando os mais extravagantes e coloridos adereços sobre a cabeça - sem perder o foco na produtividade, claro.

Na Vale, outra referência atual do universo corporativo brasileiro, há apenas casos pontuais de teletrabalho. Um exemplo é o diretor de arquitetura de tecnologia da informação, o alemão Tobias Frank, que passa a maior parte do tempo em Seattle, nos Estados Unidos, onde reside. Vez ou outra, comparece à unidade mais próxima da Vale, a de Toronto, no Canadá. "São casos muito mais ligados a necessidades específicas de uma empresa com presença global do que parte de uma estratégia formal de promoção do teletrabalho", explica o diretor global de recursos humanos e governança, Luciano Siani.

A Volvo, fabricante de carrocerias de caminhões e ônibus sediada em Curitiba, chegou a ensaiar um programa oficial de escritórios domésticos para algumas funções. Desistiu da ideia, contudo, há três anos, depois que as primeiras tentativas não foram bem-sucedidas. "Algumas pessoas se surpreenderam ao perceber que a experiência não foi tão satisfatória e produtiva quanto elas imaginavam", descreve o diretor de recursos humanos e assuntos corporativos, Carlos Morassutti. Hoje, a empresa abre exceções para casos como funcionárias com filhos pequenos, mas não incentiva a prática.

A dificuldade de adaptação é um dos grandes empecilhos para a disseminação do teletrabalho no país. Muitos profissionais apreciam o ritual de sair de casa e só se sentem verdadeiramente integrados a uma corporação quando compartilham o ambiente com os colegas. Alvaro Mello, da Sobratt, diz que a maior dificuldade ocorre entre os profissionais com mais de 35 anos de idade, que se acostumaram a ser vigiados no ambiente de trabalho e, de certa forma, são movidos a cobranças. Para que a migração funcione, segundo ele, é fundamental ter disciplina. "O profissional e seus familiares têm de entender que ele está ali para continuar produzindo tanto quanto antes ou até mais. É preciso resistir às inúmeras distrações que a casa oferece", avisa.

Outro dos motivos que fazem as empresas resistirem ao teletrabalho no Brasil é o rigor da antiquada legislação - a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é de 1943, época em que algo semelhante a notebooks, internet e telefones celulares só existia nas páginas mais criativas da ficção científica. O temor, nesse caso, é que a falta de controle dos horários cumpridos abra espaço para cobranças judiciais de horas extras. Para a diretora de vendas Dalva Braga, da Ticket, esse fantasma já não é tão assustador. "Nosso departamento jurídico nos orientou a fazer um aditivo ao contrato de trabalho com a adaptação ao modelo", diz.

O advogado Marcelo Gômara, sócio responsável pela área trabalhista do escritório TozziniFreire Advogados, chama a atenção para a necessidade de a empresa se preocupar também com a estrutura do escritório doméstico. "É preciso fornecer o mobiliário adequado, treinar e conscientizar o empregado sobre a forma correta de usar os equipamentos. O trabalho preventivo é fundamental para evitar passivos futuros", diz.
 
 
Fim dos escritórios ajudará "home office"
 
Por Maurício Oliveira | De São Paulo

Se o teletrabalho ainda está longe de se popularizar e ser considerado uma unanimidade no Brasil, há pelo menos alguns indícios de que a fase é de transição. A "posse" de um lugar no escritório - aquela mesa em que se colocava foto dos filhos e bandeirinha do time de futebol - parece estar a caminho da extinção.

Ao mudar de sede no ano passado, transferindo-se para um prédio em Alphaville, a Philips trocou o antigo modelo de mesas cativas por bancadas únicas, que podem ser ocupadas aleatoriamente pelos funcionários. Basta plugar o notebook e começar a trabalhar, sem a menor dificuldade para ser encontrado pelo chefe ou pelos colegas, já que o celular cumpre o papel do antigo ramal fixo. Uma pesquisa da empresa revelou que, antes da mudança, o índice médio de ocupação dos postos de trabalho não passava de 50% - a outra metade estava de férias, licença médica, horário de almoço, visitando clientes ou simplesmente circulando pela empresa. Com a mudança, o índice de ocupação média chegou a 80%, o que permitiu a acomodação de 30% a mais de pessoas em um espaço 30% menor.

Outro indício de que as empresas já resistem em reservar um espaço fixo para cada funcionário é o crescimento do mercado de aluguel de escritórios prontos, que incluem serviços como telefonista, secretária, limpeza e office-boy. "Tecnologia da informação, construção e investimentos são os setores que mais têm usado os nossos serviços", diz Janaína Nascimento, diretora de vendas para o Brasil da Regus, uma das pioneiras no segmento. A empresa começou a funcionar em São Paulo em 1996 com 150 estações de trabalho e hoje atua em nove cidades, com um total de 3.800 estações e taxa média de ocupação de 86%.
 

Ticket transforma 150 funcionários em remotos

Por Maurício Oliveira | De São Paulo

Assim como boa parte dos paulistanos, o gerente de negócios da Ticket, Leandro Guedes, gastava mais de duas horas por dia no caminho de ida e volta ao escritório. Até que a empresa decidiu dar um basta nesse sofrimento e implementou um programa de teletrabalho para a área de vendas. Instalou os equipamentos necessários nas casas dos funcionários do setor - com direito a acesso a internet, telefone celular, ajuda de custo para energia elétrica e verba para a compra de móveis - e concedeu liberdade plena de horário a quem aderisse ao programa.

A empresa fez questão, inclusive, de conversar com os familiares para explicar a mudança. A partir daí, o desempenho de cada colaborador passou a ser totalmente avaliado pelos resultados e o cumprimento das metas estabelecidas, sem levar em conta o número de horas trabalhadas.

"Ter me livrado do trânsito e, com isso, ter tido a oportunidade de desfrutar de mais flexibilidade foi o melhor que a companhia poderia ter proporcionado. Consegui melhorar a minha produtividade e a qualidade de vida", diz Guedes. No novo cotidiano, ele conseguiu até encaixar uma hora de academia por dia, algo que até então parecia impossível.

Iniciado gradualmente há cinco anos, o projeto de teletrabalho da Ticket acaba de ser concluído com a transferência para "home offices" dos últimos 35 funcionários de São Paulo - um grupo que resistiu inicialmente à novidade, mas acabou cedendo diante da satisfação demonstrada pelos colegas. Agora, são 150 colaboradores da que trabalham nesse modelo.

A mudança levou ao fechamento de 25 filiais físicas nas principais cidades do país, o que representou uma economia de R$ 3,5 milhões por ano só em aluguéis. Mas o ganho foi muito além disso. A possibilidade de planejar o dia sem a exigência de passar pelo escritório resultou em cerca de duas mil visitas a mais por mês para a equipe de vendas, com acréscimo de 40% no fechamento de novos contratos - e reflexos diretos na remuneração de todos, baseada em comissões. "Há casos de quem conseguia fazer apenas duas visitas por dia e agora está fazendo duas pela manhã e duas à tarde", descreve a diretora de vendas, Dalva Braga.

Para manter a equipe ligada à cultura corporativa e preservar a sensação de pertencimento, a empresa promove semanalmente almoços ou happy hours entre colaboradores de uma mesma cidade e reuniões quinzenais entre chefes e subordinados. Além disso, são realizados pelo menos dois grandes encontros anuais envolvendo todos os funcionários no país.

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