sexta-feira, 9 de abril de 2010

Japão altera Pacto Social Corporativo

Valor Econômico - Internacional - 06.04.2010 - A11

Japão revê seu 'contrato social corporativo'

Jason Clenfield, BusinessWeek
06/04/2010

Os trabalhadores das grandes companhias japonesas costumavam contar com duas coisas: um emprego vitalício e uma aposentadoria decente. No Japão, os empregos vitalícios há muito já se foram, suprimidos por reestruturações implacáveis. E as pensões? Uma recente série de ataques contra planos de pensões sob gestão de grandes companhias levanta a possibilidade de que esse outro pilar do "contrato social corporativo" também pode estar se desintegrando.

A mais recente implosão de um importante plano de previdência aconteceu na Japan Airlines (JAL), concordatária há três meses. Em 18 de março, a JAL obteve autorização do Ministério do Trabalho para reduzir as pensões que beneficiam até 50% de seus 24 mil atuais e e ex-empregados.

Então, em 23 de março, a Mitsubishi Heavy Industries, disse que quer que seus trabalhadores e aposentados aceitem cortes que aliviariam a pressão sobre seu sistema de pensões, deficitário em 259 bilhões de ienes (US$ 2,8 bilhões). A Mitsubishi está tentando reduzir o déficit previdenciário antes que novas regras contábeis entrem em vigor em 2012. As novas regras exigem que as companhias declarem às agências reguladoras o total de seu passivo ante suas obrigações, em vez de distribuir o montante por um período mais alongado.

Desde 2002, quando o governo originalmente permitiu que empresas reduzissem as pensões de aposentados, o Ministério do Trabalho recebeu apenas seis pedidos de empresas nesse sentido. Mas a expectativa é de que mais companhias deverão tentar pedir a autorização, pois os custos das pensões estão crescendo e aproxima-se a data da mudança contábil. Companhias como a JAL, a NTT, gigante no setor de telefonia, a Mitsubishi Heavy e a agência de viagens Kinki Nippon Tourist já anunciaram publicamente querer reduzir seus custos com pensões.

A baixa rentabilidade de títulos, o envelhecimento da população e a queda do mercado acionário para um quarto de seu pico em 1989 pressionaram os fundos de pensão das empresas japonesas. Em conjunto, as 278 maiores empresas do Japão estavam descobertas em 21,5 trilhões de ienes (US$ 230 bilhões) diante das obrigações de seus fundos de pensões no ano fiscal de 2009, ou seja, um aumento de 50% ante o ano anterior, segundo um estudo do instituto de pesquisa Daiwa. Os passivos a descoberto na Hitachi, maior empregadora privada no país, somaram 1,1 trilhão de ienes (US$ 11,8 bilhões) - o triplo do déficit previdenciário que contribuiu para afundar a JAL.

Dois terços dos aposentados da empresa precisam dar seu apoio aos cortes propostos para que uma empresa possa solicitar autorização das agências reguladoras para reduzir os benefícios de pensões pagos. Pressionado por seus antigos empregadores, muitos aposentados estão votando contra seus próprios interesses financeiros. Nobuzaki Yamazaki, do Instituto de Pesquisa de Políticas sobre Pensões e Envelhecimento, em Tóquio, assinala que "os aposentados sentem um vínculo emocional com as pessoas que continuam na empresa". O sentimento é que, "se os trabalhadores atuais podem aceitar um corte, então também podemos". Outros pensionistas estão furiosos. "Como você pode simplesmente rasgar um contrato?", questiona Etsuko Hamaya, 62, ex-aeromoça de JAL que se aposentou em 2008 após quase 40 anos de serviço. Ela poderá perder US$ 650 de sua renda mensal e votou por não mudar o plano.

Programas de benefício definido, que fazem pagamentos regulares aos aposentados, independentemente dos altos e baixos do mercado, permanecem populares no Japão. Segundo a Greenwich Associates, empresa de pesquisas com sede em Stamford, Connecticut, cerca de 60% dos ativos dos fundos de pensão empresariais japoneses ainda estão vinculados a planos de benefício definido, que as empresas americanas começaram a abandonar gradualmente décadas atrás. Nos EUA, em vez desses esquemas, muitas empresas adotaram planos do tipo 401(k), que jogam o risco de investimentos sobre os trabalhadores.

Agora, algumas empresas japonesas querem também minorar seu ônus. A Nippon Telegraph & Telephone (NTT), com o maior lucro operacional no Japão no ano fiscal de 2008, ainda tinha, no ano fiscal passado, um passivo de 576 bilhões de ienes (US$ 6,2 bilhões), ante suas responsabilidades. Há seis anos a companhia vem tentando reduzir os pagamentos a seus aposentados. Depois que as agências competentes rejeitaram a petição das telecoms, a NTT foi aos tribunais: a Corte Suprema deverá decidir sobre o caso neste ano. Em fevereiro, a Kinki Nippon Tourist, uma das principais agências de viagens do Japão, com um prejuízo de US$ 8 milhões em 2009, convenceu seus 1,4 mil aposentados a aceitar um corte de 10% em suas pensões. Em março, a companhia conseguiu que seus atuais 2,1 mil funcionários aceitassem um acordo similar.

Economistas tinham esperanças de que a geração do "baby boom" japonês iria gastar as suas pensões e economias quando se aposentassem, eliminando a dependência japonesa de suas exportações como grande fonte de crescimento. "Antes que a geração do 'baby boom' começassem a se aposentar, muito se falou sobre como essas pessoas iriam impulsionar a economia. Mas isso não aconteceu", diz Yoshiki Shinke, economista sênior do Dai-ichi Life Research Institute. "Em vez disso, as pessoas estão preocupadas com suas pensões e não sabem quanto tempo vão viver ou de quanto dinheiro precisarão. Por isso, elas estão guardando seu dinheiro."

Os japoneses veem também um possível impacto em sua cultura de trabalho. "O pior é o simples fato de que as empresas estão dizendo "não vamos manter nossas promessas", diz Motohiro Morishima, professor de gestão de recursos humanos na Universidade de Hitotsubashi, em Tóquio. Essa erosão da confiança, diz Morishima, poderá prejudicar a competitividade das empresas japonesas, que tendem a depender dos trabalhadores no chão de fábrica para se policiarem e aperfeiçoarem seus processos de trabalho. "É preciso manter as pessoas na linha de frente engajadas, ou o sistema fica sujeito a muitos riscos", diz Morishima. "Poderá haver grandes problemas".

Taizan Hayashi, 70, um aposentado que trabalhou na NTT durante quatro décadas, diz que a empresa intimidou as pessoas para que votassem a favor das reduções, uma acusação que muitos pensionistas também fazem à JAL. Hayashi convenceu 285 companheiros pensionistas a processar a NTT para impedir as alterações no plano. A ação não foi acolhida por razões processuais, mas Hayashi continua se manifestando. Aposentados da NTT têm recebido telefonemas e visitas de representantes da empresa a suas casas. "Recebi alguns telefonemas. Outras pessoas recebem mais", diz Hayashi. "Era como ser perseguido por um cobrador."

Fumihide Asano, porta-voz da NTT, diz que a empresa não pressionou injustamente os aposentados, e que estes aceitaram o acordo porque entenderam que "as difíceis condições de negócios as tornaram necessárias". Szu Hunn Yap, porta-voz da JAL, diz que os telefonemas da empresa aos aposentados simplesmente ajudaram a explicar a razão dos cortes: "Algumas dessas pessoas estão distantes da empresa há muito tempo e podem estar fora fora de sintonia com o que está acontecendo".

Para Hamaya, a aeromoça aposentada, uma vida nova, mais frugal, a espera. "Quando eu tinha 55 anos, avaliei quanto eu iria receber e pensei, 'vou conseguir viver com isso' ", diz ela. "Meus planos foram virados de cabeça para baixo."

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