terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Recebimento de brindes de fim de ano nas empresas

Valor Econômico - EU & Carreira - 06.12.2012 - p. D8

Chegou a hora do "jabá" de fim de ano

Por Carolina Cortez
De São Paulo

Giovane Nichele da Costa, vice-presidente de RH da GVT, precisou devolver ingressos que recebeu de um fornecedor para um evento esportivo, por conta da política de brindes adotada pela empresa.

O fim do ano vem chegando e, com ele, o momento de desejar boas festas aos clientes e fornecedores, com o intuito de garantir um bom relacionamento entre as companhias no ano que se inicia. Os votos de Feliz Natal e um próspero 2013 tendem a embalar a troca de presentes dos mais diversos tipos no mundo corporativo, mas, aparentemente inofensiva, essa prática demanda cuidados redobrados nessa época. Isso porque um simples brinde pode se tornar um "jabá", com a intenção de subornar o profissional da empresa parceira.

Na opinião de Clara Linhares, professora da Fundação Dom Cabral, a prática de brindes tem um lado louvável, que é o de cativar clientes. Entretanto, muitas empresas enviam presentes com o claro objetivo de conseguir vantagens futuras. "A preocupação do mercado com a ética e transparência é cada vez maior, mas infelizmente o jabá ainda é muito comum", afirma. É dever do profissional e da empresa, portanto, impor limites. "É preciso deixar claro quando o presente fere as boas práticas dos negócios", complementa.

Embora não exista um padrão para estipular qual é o "valor simbólico" aceitável do bem recebido, cada companhia estipula sua própria política de brindes. Na ArcelorMittal, por exemplo, nenhum funcionário é autorizado a receber presentes avaliados em mais de R$ 100 e que não tenham a logomarca de quem os enviou. Viagens, jantares e convites para eventos só são permitidos quando considerados relevantes para o negócio. Nesse caso, a própria companhia arca com todos os custos do funcionário convidado.

O recebimento de diversos brindes por um mesmo profissional também é visto com cuidado pela empresa. Caso haja necessidade, é instaurada uma auditoria para apurar o ocorrido.

"Geralmente realizamos um sorteio dos presentes que chegam. O funcionário só é aconselhado a aceitar o que for de uso cotidiano como canetas, cadernos e agendas", diz Suzana Fagundes Ribeiro, compliance officer e gerente geral do departamento jurídico da Arcelor-Mittal. A empresa está em 61 países, mas tem um único código de conduta, evitando possíveis divergências culturais. "Em alguns países é muito comum enviar presentes caros, mas o grupo não os aceita em nenhuma de suas unidades, independentemente do cargo em questão", ressalta.

Ainda assim, existem empresas que insistem em ofertá-los. Segundo Suzana, recentemente a companhia abriu concorrência para a compra de um insumo de produção. Um dos fornecedores cogitados mandou ao departamento jurídico duas garrafas de espumantes "notavelmente caros" durante o processo. "Devolvemos com uma mensagem por escrito, explicando que nosso código de conduta não permitia o recebimento de brindes de alto valor - sempre com o cuidado de não ofender quem enviou", conta.

O fato não desclassificou o fornecedor da disputa, mas a atitude foi levada em conta mesmo sem caracterizar suborno. "Não é dessa forma que queremos começar um relacionamento", explica Suzana. A precaução redobrada, segundo ela, é justificada porque a empresa atua em escala global. "O Brasil tem a imagem no exterior de um país passível à corrupção. Não podemos manchar a reputação do grupo", diz. O tema "brindes", inclusive, não é apenas abordado no código de conduta, mas também faz parte da política anticorrupção da multinacional.

O vice-presidente de RH da GVT, Giovane Nichele da Costa, passou por uma situação semelhante recentemente. O executivo precisou devolver ingressos que recebeu, de um fornecedor, para um evento esportivo. "Agradeci por e-mail, mas expliquei que não podia aceitar por conta do código de conduta da empresa", diz. A política da GTV limita o recebimento de brindes que ultrapassam um valor estimado em R$ 300. Abaixo disso, há possibilidade de sorteio entre todos os funcionários da companhia.

Se o brinde for considerado de uso cotidiano, como uma caneta, o funcionário pode ficar com ele. "Se não for uma Montblanc, não tem problema. É uma questão de bom senso", afirma. Caso o valor estimado do presente gere alguma dúvida, o profissional deve consultar o chefe do departamento. Se o impasse persistir, a questão é encaminhada ao RH.

Para reforçar esse conceito, no fim de novembro a companhia envia um comunicado para todos os funcionários, explicando o tipo de brinde que pode ser aceito e o que deve ser devolvido.

Existe também um ramal para tirar dúvidas e denunciar casos de corrupção. "Raramente tivemos de investigar um funcionário. Se descobrirmos má conduta, demitiremos", diz.

Já na Suzano Papel e Celulose, as dúvidas que não forem esclarecidas pelo chefe do departamento são encaminhadas ao Comitê de Gestão de Conduta, composto pelos diretores de RH, do jurídico e de auditoria. Segundo Mariano Zavattiero, diretor de auditoria do grupo, no ano passado o comitê avaliou o caso do recebimento de um relógio que excedia - e muito - o teto estipulado pela corporação, de R$ 100. "Decidimos que o presente deveria ser devolvido com uma carta formal explicando o nosso código de conduta", diz.

Segundo ele, o fornecedor entendeu sem problemas, pois muitas empresas já estão acostumadas com esse tipo de resposta. Nessa época do ano, o RH envia aos funcionários da Suzano um informativo chamado "Onde mora o perigo", reafirmando a política de brindes transmitida nos treinamentos realizados durante a contratação.

Para o consultor Werner Mitteregger, que já dirigiu os departamentos de RH de empresas como Tecnisa, Pfizer e Pepsico, as empresas têm evitado o envio de brindes muito caros. "Elas reduziram o padrão dos presentes, pois já perceberam que eles não têm sido bem aceitos", conta. Segundo ele, a "multinacionalização" das empresas catalisou essa tendência no Brasil.

O mercado americano, por exemplo, restringe o recebimento de presentes de companhias estrangeiras desde a assinatura do Foreign Corrupt Practices Act (Ato Contra a Corrupção Estrangeira). Nesse sentido, o apelo contra o suborno tem se disseminado por meio das empresas que operam ou realizam negócios no exterior. "As informações hoje são espalhadas mais rapidamente e qualquer deslize pode causar sérios danos à imagem de uma companhia. Muitas estão ajustando suas orientações sobre isso para evitar problemas."

O envio de brindes, dessa forma, também tem sido alvo das políticas anticorrupção. A área da saúde, por exemplo, é considerada a mais problemática quanto a políticas de recebimento e envio de presentes, segundo Clara, da Fundação Dom Cabral. De acordo com ela, ainda é muito comum a indústria farmacêutica enviar convites de viagem aos médicos e suas famílias para participarem de congressos. "Geralmente, o evento é para promover o medicamento que o próprio laboratório produz", diz.

Outro segmento que tem o costume de receber e ofertar brindes caros é o jurídico. No P inheiro Neto Advogados, porém, foi instituído um código de conduta para evitar o desgaste no relacionamento com os clientes. "A prática do direito é baseada em confiança. Temos que evitar dar e receber presentes que possam gerar qualquer tipo de desconforto na relação com clientes e parceiros", informou a empresa em comunicado. Nesse sentido, o escritório autoriza o recebimento - e a confecção- apenas de brindes com o logotipo da firma.

No caso da Hypermarcas, os presentes também só são aceitos quando contém a logomarca do remetente. Entretanto, a companhia chega a estipular um valor considerado aceitável: metade do salário mínimo vigente. Também por meio de um comunicado, a Copersucar afirmou que brindes, favores e eventos de entretenimento são tipicamente usados para fortalecer relacionamentos comerciais, "mas não se deve aceitar ou dar nenhum presente que possa, ou mesmo pareça, influenciar o julgamento dos envolvidos. Já no Pão de Açúcar, a recomendação para presentes que excedem o cunho promocional é devolvê-los ou enviá-los ao instituto do grupo, para que seja doado a instituições sociais.


No lugar de brindes, doações

Por Carolina Cortez
De São Paulo

Além de reforçar políticas de recebimento de brindes, algumas companhias já estão alterando as estratégias de envio de presentes aos seus clientes corporativos. A Kimberly-Clark, por exemplo, optou por não remeter mais os tradicionais kits com produtos de higiene da marca com baixo valor, como lenços umedecidos e cremes hidratantes, aos seus parceiros. Há, contudo, algumas exceções. Caso algum departamento ache essa prática necessária para prospectar clientes, como é geralmente o caso de comunicação e marketing, poderá enviar o kit padrão com a logomarca da companhia.

"Costumávamos enviar a cesta aos nossos clientes, mas achamos que essa verba poderia ser mais bem aproveitada de outra forma", afirma Rebeca Gimenez, gerente do departamento jurídico da empresa. Neste ano, a companhia pretende reverter o dinheiro que seria destinado às cestas em doações a um orfanato e um asilo. Segundo Rebeca, os clientes que ganhavam o brinde receberão, no lugar, uma carta avisando que contribuíram para o Natal de diversas pessoas.

Já a política de recebimento da companhia permanece. Todos os presentes que excederem R$ 100 devem ser devolvidos. Viagens e convites para eventos devem passar pelo crivo do chefe do departamento. Se a participação for considerada necessária, a companhia assume as despesas. A exceção está no departamento de 'health care', responsável pela negociação de produtos e aparelhos cirúrgicos. "Há muito relacionamento com empresas de saúde e com o governo, então temos um código de conduta mais rígido nessa área."

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