terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Executivos que continuam conectados nas férias

Valor Econômico - EU & Carreira - 10.01.2011 - D8

Sem sossego: Executivos sofrem com a dependência tecnológica e o apego à informação mesmo na folga.
Com a antena conectada até nas fériasPor Maurício Oliveira | Para o Valor, de São Paulo
10/01/2011

A executiva Milva Gois lembra que a última vez que ficou três dias sem ver e-mails foi em 2006, durante um retiro na ÍndiaNa adolescência, a advogada Milva Gois dos Santos fez curso de datilografia, aprendeu a fotografar em máquinas analógicas e preencheu inúmeras fitas cassete com as músicas prediletas. Um pouco depois, conheceu o fascinante mundo dos microcomputadores- quem ainda lembra do sistema operacional DOS e dos monitores de fósforo verde? - e teve o seu primeiro celular, aquele "tijolão" que ocupava 80% do espaço disponível na bolsa.

O encanto por novidades tecnológicas jamais arrefeceu e Milva continuou acompanhando cada etapa da revolução ocorrida nas duas últimas décadas. Em algum ponto dessa trajetória, no entanto, os equipamentos deixaram de ser meros coadjuvantes do cotidiano da advogada para assumirem o papel de protagonistas. Hoje, aos 41 anos, ela admite ter se tornado dependente, a ponto de não conseguir se desconectar um dia sequer. "Sou uma viciada confessa, mas satisfeita com tudo o que a tecnologia me permite", diz Milva, que acumula os cargos de gerente jurídica e de relações institucionais da AxisMed, empresa especializada em gestão de doentes crônicos.

Neste período de verão e férias, muitos executivos vivem situações semelhantes à de Milva. Afastam-se "teoricamente" do trabalho, mas continuam acompanhando tudo o tempo todo. Respondem e-mails, recebem notícias setoriais, leem sobre suas respectivas áreas de interesse, participam de discussões com os colegas. A exemplo da advogada, vivem com o notebook debaixo do braço e não tiram os olhos do celular, checando os e-mails. "Criei o hábito de responder o mais rápido possível, mesmo que os assuntos não sejam urgentes", descreve a advogada. Quando o interlocutor age de forma semelhante, isso pode se transformar em um problema. "Outro dia um colega de trabalho me mandou um e-mail no início da madrugada apenas para ir adiantando as tarefas do dia seguinte, mas eu respondi na hora e ele rebateu de lá. Ficamos um bom tempo noite adentro discutindo uma questão que poderia muito bem ter sido deixada para o dia seguinte", conta. Acumulando a função de relógio e despertador, o celular de Milva permanece ao lado da cama e a primeira coisa que ela faz ao acordar é verificar se há novas mensagens. Muitas vezes não resiste também a dar uma conferida nas diversas redes sociais das quais participa.

Um bom jeito de avaliar se você se tornou escravo da tecnologia é tentar lembrar a última vez que passou três dias seguidos sem acesso aos e-mails. No caso de Milva, o diagnóstico é fácil: foi em 2006, durante um retiro na Índia. A proposta, aliás, era passar 21 dias longe de tudo e de todos, mas ela deu um jeito de escapar vez ou outra para a lan house da universidade que sediava o retiro.

Outro indicador é como você se sente ao abrir a caixa de e-mails depois de ter ficado algumas horas sem verificar as novas mensagens. Sentir nesse momento uma espécie de angústia pelo receio de ter perdido algo importante- mesmo que o período de afastamento tenha sido apenas o de um filme no cinema - é sinal de que algo está fora da ordem. "As pessoas precisam retomar os velhos conceitos sobre o que é urgente e o que é apenas importante", diz a headhunter Laís Passarelli, da Passarelli Consultores. "Quando alguém precisava resolver algo urgente com você, usava o telefone. O e-mail era uma alternativa para assuntos não urgentes. Com o acesso portátil à internet, muita gente está usando e-mails também para assuntos urgentes, partindo do pressuposto de que o outro está conectado 24 horas por dia. Isso gera uma tensão constante", descreve.

Num mercado de trabalho em que as informações circulam de forma frenética e a competição aumenta dia após dia, tentar permanecer alheio a essa onda pode ser interpretado como desinteresse. Dessa forma, é como se todo mundo estivesse sendo obrigado a virar workaholic, um conceito que costumava ser aplicado apenas a casos extremos e hoje parece estar virando regra.

A psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da Internacional Stress Management Association no Brasil (Isma-BR), chama a atenção para as consequências que o envolvimento exagerado com a tecnologia pode ter na saúde emocional e mesmo na vida familiar. "O hábito de permanecer o tempo todo conectado pode levar a um círculo vicioso insustentável, que sacrifica o descanso e o convívio com a família", alerta.

Milva sabe que em determinados momentos já transitou por esse campo minado. Em outubro, quando tirou uma semana de folga e viajou para Itacaré (BA) com o marido, ela gastou um dia inteiro em frente ao computador tentando resolver problemas do trabalho. "Ele saiu de manhã e disse que me esperaria na praia. Voltou algumas horas depois com aquela expressão de 'você não toma jeito mesmo'", descreve a executiva. A advogada começou o ano decidida a mudar os hábitos, mesmo porque vai precisar adaptar o estilo de vida se quiser realizar o sonho de ser mãe. "O relógio biológico está avançando e eu tenho que dar um jeito nisso. Se for preciso, jogo tudo que é maquininha no lixo!", brinca.

Empresas se preocupam com processos trabalhistasDe São Paulo
10/01/2011

O alto grau de conectividade dos funcionários se transformou em uma fonte de preocupação para as empresas do ponto de vista trabalhista. "Esse tema é a bola da vez. Tivemos a fase dos processos por assédio moral e agora a questão principal será a tecnologia", diz o advogado Marcelo Gômara, especialista em direito trabalhista do escritório TozziniFreire.

O maior receio das empresas é o de que, usando como prova a troca de e-mails com superiores e colegas em horários fora do expediente, ex-funcionários pleiteem o pagamento de horas extras com a alegação de terem permanecido de sobreaviso, à disposição da empresa. "Essa é uma situação delicada para as empresas, pois não há como impedir a troca de e-mails entre seus funcionários. Elas ficam inteiramente à mercê das decisões da Justiça Trabalhista, que muitas vezes tende a proteger o trabalhador."

O maior risco para as empresas é relacionado aos funcionários que cumprem horário regular de trabalho e têm direito a receber horas extras em caso de ampliação do expediente. Com executivos o risco é menor, pois, em geral, eles ocupam cargos de confiança, situação que se configura principalmente pela inexistência de cobrança de horário por parte da empresa - o que, em contrapartida, não dá direito ao pagamento de horas extras.

Tudo muda, contudo, quando se fala do período de férias. Embora a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) determine que o período de descanso deve ser de 30 dias corridos, na prática muitos executivos têm optado, em comum acordo com a empresa, por vários períodos de afastamento rápido ao longo do ano - "escapadas" de uma semana ou até menos. Segundo Gômara, na velocidade em que as coisas acontecem hoje, ficar um mês longe de tudo é quase uma eternidade tanto para a empresa, que fica sem uma peça-chave, quanto para o profissional, que teme perder espaço. "Mas a lei trabalhista não se adaptou à nova realidade, obrigando as empresas a simplesmente ignorá-la e correr todos os riscos decorrentes disso", critica Gômara.

Muitas companhias já criaram uma espécie de "banco de férias", a exemplo do que ocorre com os bancos de horas. Ou seja: o funcionário tira oficialmente as férias em um determinado período, mas vai desfrutando aos poucos dos créditos ao longo do ano. Gômara diz, no entanto, que basta a um funcionário comprovar que se comunicou por e-mail sobre assuntos profissionais durante o período em que oficialmente estava de férias para obter, sem grande dificuldades, o direito de receber novamente o pagamento correspondente ao tempo de descanso. E isso vale para todos, incluindo executivos.

Para aumentar as chances de defesa da empresa em processos trabalhistas do gênero, o advogado recomenda divulgar amplamente em meios como cartilha de integração, intranet e código de conduta, que não exige dos empregados a dedicação ao trabalho fora do período de expediente. "Isso dá a entender que, se o funcionário acessou o e-mail enquanto não estava na empresa, foi porque quis", explica. "Mas é claro que de nada adianta ter um aviso do gênero se, na prática, o chefe manda mensagens pedindo resposta imediata", acrescenta Gômara.

Em maio do ano passado, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu que o uso do telefone celular fora da jornada de trabalho não caracteriza sobreaviso, revertendo decisão do Tribunal Regional do Paraná. A interpretação do TST foi a de que, para ter direito ao pagamento de horas de sobreaviso, o trabalhador precisa permanecer em sua residência, à espera de possível comunicação, sem poder se ausentar. Ou seja, o sobreaviso implica necessariamente a impossibilidade de locomoção.

Processos envolvendo pedidos de sobreaviso com base no uso de correio eletrônico ainda estão nas primeiras instâncias, mas por analogia pode-se supor que e-mails acessados em notebooks ou outros equipamentos móveis não configurariam o sobreaviso, ao contrário daqueles acessados do computador doméstico. Ou seja, vem muita confusão e polêmica por aí. (MO)

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