Valor Econômico - Política - 14/04/2016 - A11
CNI pede mudança de governo em carta a
deputados
Por Daniel Rittner e Raymundo Costa
A três dias da votação do pedido de abertura de impeachment da presidente Dilma Rousseff, um de seus
principais interlocutores na iniciativa privada desde o início do primeiro mandato jogou a toalha. "Ela perdeu a
credibilidade, a capacidade de fazer política, perdeu as condições de governar", afirmou ao Valor o presidente da
Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade. É preciso deixar claro que não se trata de
ressentimento ou falta de diálogo. "Ela tem uma relação muito boa comigo e eu não posso reclamar de nada, mas
isso infelizmente não é suficiente para mudar o país."
No comando da poderosa entidade patronal, que até agora vinha mantendo uma atitude de cautela sobre o
afastamento da presidente em função da ausência de consenso entre as federações estaduais, Andrade foi incisivo.
Ontem o empresário mineiro despachou uma carta para cada um dos 513 deputados que votam o impeachment
no domingo. Sem fazer uma recomendação específica de voto, ele critica severamente o governo e termina a
missiva com uma mensagem enfática: "É hora de mudar".
O presidente da CNI avalia que a posse do vice Michel Temer "dá uma esperança" de retomada do crescimento,
mas adverte que o choque de confiança tem "vida curta". Por isso, está convencido sobre a necessidade de o novo
governo propor uma agenda imediata de reformas. A prioridade máxima deve ser dada à reforma da Previdência
Social.
"Se quem assumir o governo não tomar medidas difíceis, impopulares, estará numa situação igual à de hoje em
menos de seis meses", observou Andrade, em um almoço na sede da confederação. Ele acha imprescindível
estabelecer idade mínima para as aposentadorias. "A média no Brasil é de 54 anos. Em um Estado como Minas
Gerais, os policiais militares se aposentam com 48, 49 anos. A corporação tem mais inativos do que ativos",
constata.
E Dilma, se sobreviver, será que ela não teria mesmo condições de refundar o governo e aprovar uma reforma?
Andrade responde com outra pergunta: "Como ela vai governar com 200 votos a favor e mais de 300 contra?".
Entre um gole e outro de vinho tinto das Serras Gaúchas, Andrade lembra quando a presidente parecia ter
comprado definitivamente a ideia de mudar as regras previdenciárias. Mas aí, completa o empresário, ela nomeou
o petista Miguel Rossetto para capitanear as discussões no Fórum da Previdência. "É o mesmo que dizer que não
quer fazer reforma nenhuma. O próprio PT é contra."
Até mesmo a composição do ministério do segundo mandato dilmista é lembrado. "Se você tem pessoas
medíocres, o governo será medíocre", lamenta o industrial. "A gente sequer lembra o nome de uns 30 ministros."
Enquanto o almoço era servido, líderes partidários na Câmara começavam a receber uma carta assinada por
Andrade, que foi objeto de comentários no plenário mais tarde. A correspondência chegaria a todos os deputados.
Ela aponta uma "sucessão de erros" na política econômica para explicar a queda de 8,3% na produção da
indústria em 2015, inflação acumulada em 12 meses perto de dois dígitos e taxa de desemprego que encosta em
10%.
"O governo não demonstra capacidade para melhorar o ambiente de negócios, elaborar uma política econômica
apropriada e propor ações para fazer o Brasil retomar a trajetória do crescimento e do progresso", escreve Andrade,
com um elogio pontual e isolado às iniciativas tomadas pelo Ministério do Desenvolvimento, comandado por
Armando Monteiro, seu antecessor na CNI.
Prossegue o texto: "Em sentido oposto, parcelas do governo acenam com uma nova guinada na economia,
justamente na direção da política que nos legou o descalabro das contas públicas e criou o cenário catastrófico em
que hoje nos encontramos".
Das janelas do edifício, avistamse os ônibus estacionados ao lado do Teatro Nacional de Brasília, onde acampam
militantes semterra que devem engrossar as manifestações próDilma no domingo. "Ao mesmo tempo, o governo
tem sido complacente com grupos sociais que pregam a radicalização e o confronto como forma de impor suas
ideias", diz a carta. "Essa atitude pode levar ao acirramento ainda maior das tensões, insuflando a violência, com
sérias consequências."
De volta à entrevista, Andrade ressalta a necessidade de manter o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida. Faz,
porém, algumas observações sobre a urgência em equilibrar as contas públicas e não evita um assunto
controverso. "Os programas sociais têm que ser enquadrados dentro da nova realidade fiscal", afirma Andrade.
Cita o Ciência Sem Fronteiras como exemplo: "Tínhamos condições de manter 100 mil pessoas lá fora?",
questiona.
Para o dirigente, um eventual governo Temer terá que lidar ainda com mudanças nas regras trabalhistas. Há três
pontos mais urgentes nessa área. Um é fazer avançar o projeto parado no Senado que regulamenta a
terceirização. Outro envolve privilegiar o negociado sobre o legislado nos acordos e convenções coletivas. Por fim,
ele defende uma solução para os conflitos em torno da NR12, uma norma regulamentadora do Ministério do
Trabalho que define especificações sobre máquinas e equipamentos usados nas empresas. Cumprir tudo encarece
demais a produção, sem proteger a saúde e a integridade física dos empregados, com tecnicalidades mais rígidas
do que na Europa, alega a CNI.
Andrade vê necessidade ainda de uma discussão sobre o financiamento eleitoral. "O Congresso terá que mexer.
Hoje você conversa com as empresas e não existe ninguém disposto a colaborar com campanhas políticas",
comenta o dirigente, atribuindo isso à descrença no sistema.
14/04/2016 05:00
Indústria propõe agenda para 'day after'
Por Daniel Rittner e Raymundo Costa
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) prepara uma "agenda de transição" que será encaminhada ao
governo seja ele qual for tão logo esteja encerrada a votação do processo de impeachment da presidente Dilma
Rousseff. O roteiro "Para o Brasil sair da crise", com 38 propostas de medidas para o período 20162018, já foi
enviado pela CNI às federações estaduais e deverá ter sua versão final ratificada nos próximos dias. É uma agenda
montada para o "day after" da votação, mas pensada como viável apenas em um eventual governo do vice-presidente
Michel Temer.
O Valor teve acesso à minuta do trabalho, que tem 50 páginas e está dividido em oito eixos: eficiência do Estado,
tributação, relações do trabalho, segurança jurídica e regulação, infraestrutura, política industrial e comércio
exterior, financiamento, inovação.
A reforma da Previdência Social encabeça a lista de medidas
propostas. Para a CNI, ela deve estar baseada em algumas premissas:
idade mínima, equiparação ou redução das diferenças no tempo de
contribuição entre homens e mulheres, alteração na regra de reajuste
do salário mínimo para aposentados e pensionistas, regras para
professores idênticas às dos demais trabalhadores.
Logo em seguida, no roteiro em elaboração pela indústria, pedese a
implementação de mecanismos de controle do gasto público. Um
limite decrescente para a relação entre despesas correntes como proporção do PIB, a redução progressiva dos
gastos com pessoal e uma maior desvinculação orçamentária estão entre as ações sugeridas.
Na área de infraestrutura, propõe a privatização das Companhias Docas hoje encarregadas de administrar os
maiores portos organizados do país. Outra sugestão é eliminar a obrigatoriedade de participação mínima de 30%
da Petrobras em todos os consórcios responsáveis por explorar o pré-sal. A expectativa é que isso poderia acelerar
a produção no país. Também sugere-se aumentar a geração térmica na matriz energética de forma a diminuir a
dependência do regime de chuvas com as hidrelétricas.
A CNI elenca ainda, entre suas prioridades, a aprovação de uma lei geral das agências reguladoras. O objetivo é
garantir independência administrativa dessas autarquias e melhoria nos processos de audiências públicas.
Na avaliação da indústria, outra iniciativa importante é simplificar o processo de licenciamento ambiental,
enquadrando os projetos de infraestrutura com base no porte, potencial poluidor e natureza de cada um. Essa
divisão deveria determinar procedimentos específicos para o licenciamento de cada atividade, incluindo o tipo de
estudo ambiental e prazos diferenciados. Os projetos ficariam sujeitos ao procedimento ordinário, simplificado ou
simplesmente teriam dispensa do licenciamento.
Ainda dependendo de um último aval das federações estaduais, que têm participado de sua elaboração e ainda
podem alterá-lo, o roteiro da CNI frisa a necessidade de "evitar atalhos" na tentativa de retomar o crescimento da
economia. De acordo com a agenda, é preciso atuar sobre a melhoria do ambiente microeconômico e da
competitividade, além de recuperar o equilíbrio fiscal de longo prazo. Parte-se da avaliação de que o documento
deve ser apresentado ao governo mesmo em caso de vitória de Dilma na votação de domingo porque, em última
instância, ele certamente precisaria reinventar-se.