Valor Econômico -
Especial 02.04.2015 - A-20.
Acordos salariais mostram
recuo no ganho real.
Por Camilla Veras Mota, Sérgio Ruck Bueno e
Marina Falcão | De São Paulo, Porto
José Silvestre, do Dieese:
inflação mais alta corrói ganhos reais, mas clima de incerteza dificulta
previsões sobre o comportamento das negociações neste ano
Com
a desaceleração da economia e a inflação em alta, os sindicatos de
trabalhadores iniciaram as campanhas salariais de 2015 diante de um cenário bem
mais adverso do que no ano passado. Em São Paulo, no Rio Grande do Sul e em
Santa Catarina, as negociações fechadas no primeiro trimestre tiveram, na
maioria dos casos, ganhos reais nulos ou inferiores aos conquistados de 2014.
Em
Bento Gonçalves (RS), os trabalhadores do ramo de mobiliário, que tiveram
aumento real de 1,9% no ano passado, não conseguiram fechar um percentual acima
da inflação acumulada até janeiro, de 7,13%. Entre os metalúrgicos de Criciúma
(SC), a alta real desacelerou de 4,2% no ano passado para 1,2% em 2015.
A
campanha dos funcionários do ramo de limpeza em São Paulo acompanhou de certa
forma a rápida deterioração dos indicadores de atividade no primeiro trimestre.
Após nove dias de greve, a categoria de limpeza urbana fechou na terça-feira
ganho real de 1,82% para os garis nos municípios do ABC - inferior aos 4,61% de
2014. Com data-base em janeiro, os empregados dos segmentos de manutenção de
áreas verdes e asseio e conservação, representados pela mesma entidade,
fecharam percentuais superiores ao da campanha de 2014, 4,6%.
Diante
da dificuldade maior de garantir ganhos reais como no ano passado, os
sindicalistas afirmam que as campanhas devem dar atenção especial às cláusulas
sociais e a benefícios que possam incrementar o poder de compra dos
trabalhadores - altas maiores no tíquete alimentação, cestas básicas ou
pagamento de abono.
Em
São Paulo, os calçadistas de Franca, com data-base em fevereiro, acordaram
aumento real de 1,03%. No ano passado, a alta foi de 2,7%. O reajuste nominal
de 8,84% é bastante inferior ao pedido pela categoria, de 13%, mas, diante da
piora da atividade no decorrer dos três primeiros meses do ano, o resultado
poderia ter sido pior, avalia Luís Borges de Lima, da diretoria do sindicato.
"A
gente não podia demorar pra fechar o acordo. Todo dia era uma notícia ruim nova
sobre a economia", diz o sindicalista, justificando a ausência de uma
greve na campanha salarial deste ano. Antes das cinco rodadas de negociação, a
proposta patronal cobria apenas o Índice Nacional de Preços aos Consumidor
(INPC) acumulado em 12 meses até janeiro, de 7,13%.
As
empresas farmacêuticas do Estado também acenaram apenas com a inflação
projetada para os 12 meses encerrados em abril, de 7,99%, no início dos
diálogos com a federação dos químicos do Estado, a Fequimfar, ligada à Força
Sindical. Na segunda rodada de negociação, no último dia 30, a proposta subiu
para 8,5%, ainda longe do percentual pedido pelos trabalhadores, de 12,81%, com
5% de alta real. Com data-base em 1º de abril, a categoria conta com 12 mil
funcionários.
"Neste
ano vamos precisar de ainda mais criatividade para colocar dinheiro no bolso do
trabalhador", comenta Sérgio Luiz Leite, presidente da entidade. Em
paralelo ao reajuste salarial, a Fequimfar pretende intensificar as negociações
referentes a benefícios como tíquete alimentação, auxílio-creche, abono e
programa de distribuição de lucros.
A
Federação de Trabalhadores em Serviços, Asseio e Conservação Ambiental, Urbana
e Áreas Verdes do Estado de SP (Femaco) conseguiu para as categorias com
data-base em janeiro reajustes ainda maiores do que os fechados em 2014. Os
trabalhadores dos ramos de asseio e conservação e manutenção de áreas verdes
tiveram correção nominal nos salários de 11,73% - aumentos real de 4,6%.
A
negociação foi mais difícil para a categoria de limpeza urbana, com data-base
em março. No início da campanha, quando a federação pedia os mesmos11,73% de
correção, as empresas de limpeza ofereceram correção de 6,5%, afirma Roberto
Santiago, presidente da entidade. O percentual era inferior ao INPC projetado
para o acumulado até março, acima de 7%. Sem acordo, a categoria, que conta
quase 30 mil funcionários em várias cidades do Estado, entrou em greve no
último dia 25. Após a última mediação feito pelo Tribunal Regional do Trabalho
de São Paulo (TRT-SP), no dia 31, as empresas que atendem aos municípios do ABC
conseguiram fechar a negociação com reajuste de 9,5%.
Apesar
dos sinais ruins, José Silvestre Prado de Oliveira, coordenador de relações
sindicais do Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas
Socioeconômicas (Dieese), diz ser difícil arriscar previsões para o
comportamento das negociações em 2015. A inflação alta, acima de 7% no
acumulado em 12 meses, corrói os ganhos reais das categorias, afirma, mas o
cenário geral ainda é de muita incerteza. "O imbróglio se dá na dimensão
política e econômica", pondera, lembrando que, mesmo com a alta de apenas
0,1% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014, os acordos conseguiram ganhos
ainda superiores aos de 2013, de 1,39% em termos reais.
Segundo
o Dieese, todos os acordos fechados no primeiro semestre de 2014 no Rio Grande
do Sul tiveram aumentos acima do INPC acumulado nos 12 meses anteriores. Em
Santa Catarina, o percentual chegou a 90%. Agora, as medidas de ajuste do
governo, incluindo a redução da desoneração da folha de pagamentos, e a
insegurança política são "complicadores", admite o supervisor técnico
do escritório gaúcho da entidade, Ricardo Franzoi. Em Santa Catarina, o
supervisor técnico José Álvaro Cardoso entende que os empresários estão
contaminados pelo "pessimismo construído pela mídia e pela oposição".
Conforme
Cardoso, o dado positivo é que o mercado de trabalho no Estado ainda não
reflete o tamanho do pessimismo. Segundo o Cadastro Geral de Emprego e
Desemprego (Caged), no acumulado de 12 meses até fevereiro houve alta 1,55% no
nível de emprego em Santa Catarina, com a geração de 31,5 mil novas vagas.
No
Rio Grande do Sul, onde houve queda de 0,14% no mesmo período, com a supressão
de 3,8 mil postos de trabalho, a situação é mais difícil. Os trabalhadores nas
indústrias da alimentação de Caxias do Sul e do mobiliário de Bento Gonçalves,
que têm data-base em fevereiro e em 2014 obtiveram 1,9% de ganho real, devem
ficar só com o INPC de 7,13% neste ano.
O
mesmo vale para os empregados de empresas de vigilância privada no Estado, que
mesmo depois de uma greve de quatro dias no início de março para brigar por um
reajuste total de 12%, conseguiram apenas 7,16%, praticamente igual à inflação
acumulada. No ano passado, eles haviam obtido aumento real de 3%.
Com
data-base em março, os professores do ensino privado tiveram ganhos reais de
0,6% no nível superior e de 0,9% na educação básica em 2014 e pediram 1,2% e
1,7% acima do INPC, respectivamente, agora. "Não há crise no setor porque
a educação básica está com ocupação plena e as universidades se beneficiam com
o Fies e o Prouni", diz o diretor do Sinpro, que representa os
trabalhadores, Amarildo Censi.
O
presidente do Sinepe, sindicato das escolas privadas, Bruno Eizerik,
entretanto, avisa que "é muito difícil falar em aumento real" neste
ano. De acordo com ele, as mensalidades das universidades particulares foram
reajustadas em média em 7,5%, abaixo do INPC acumulado de 7,68% em 12 meses, e
as instituições enfrentam problemas com outros aumentos de custos, como a
energia.
O
Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Alimentação de Caxias do Sul pediu
4% de aumento real para os empregados das empresas que produzem óleos vegetais,
disse o vice-presidente Milton dos Santos. O Sinóleo, que representa as
indústrias do segmento, porém, admite no máximo pagar o INPC. "A situação
está bem mais dura este ano", reconhece o sindicalista.
Já
o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de
Bento Gonçalves pediu 5% além do INPC neste ano. "As empresas vêm com
choradeira todos os anos, mas em janeiro houve a abertura de 500 novas vagas na
cidade e se com o dólar a R$ 1,60 elas já ganhavam nas exportações, agora estão
ganhando muito mais", disse o presidente da entidade, Itagiba Lopes.
Para
o presidente do Sindmóveis, que representa as indústrias do setor, Henrique
Tecchio, o pedido de aumento é "irreal" ante o fraco desempenho de
2014 e a perspectiva de um "ano pior" em 2015. O faturamento das
empresas do polo moveleiro, diz, caiu 9,4% em 2014 e neste ano o governo
reduziu a desoneração da folha de pagamento, ao mesmo tempo em que o dólar mais
caro, embora beneficie as exportações, tem impacto negativo sobre os custos das
matérias-primas.
Em
Santa Catarina, as categorias com data-base em janeiro conseguiram acordos um
pouco melhores. Tanto os metalúrgicos de Jaraguá do Sul quanto os de Criciúma
receberam aumentos reais de 1,2%, mas ainda assim o percentual ficou abaixo dos
ganhos obtidos em 2014.
No
ano passado, os metalúrgicos de Criciúma tiveram 4,2% de aumento real e neste
mês chegaram a fazer uma greve de cinco dias para brigar por 6% além do INPC
acumulado, mas a adesão foi baixa e o sindicato acabou fechando a negociação
bem abaixo disto. "O discurso do medo se espalhou entre empresários e
trabalhadores", disse o diretor da entidade, Oderi Gomes.
"Em
2014, o cenário era diferente, com as fábricas cheias [de encomendas], mas
agora os pedidos estão em queda", explica o presidente do Sindicato das
Indústrias Metalúrgicas de Criciúma, Guido Búrigo. De acordo com ele, além das
reduções de benefícios como a desoneração da folha, as empresas enfrentam altas
nos custos de insumos como energia e combustíveis e estão fazendo um
"esforço" para não demitir.
Em
Jaraguá, os metalúrgicos haviam obtido 1,4% de aumento real em 2014 e neste ano
pediram 5% além da inflação, mas tiveram que se contentar com 1,2%. "Foi
uma negociação difícil, com debates acalorados, mas diante do cenário foi um
bom acordo", entende o presidente do sindicato local dos trabalhadores,
Silvino Volz.
O
presidente do sindicato patronal, Célio Bayer, disse que no início das
negociações as empresas ofereceram um ponto percentual acima do INPC acumulado
de 6,23% para evitar o dissídio. Segundo ele, o acordo foi fechado ainda em
janeiro, depois de um ano "estável" e num momento em que o clima na
economia não era tão sombrio. "Se fosse agora, seria totalmente
diferente", afirmou.
Com
a maior incerteza em relação aos rumos da economia no resto do ano, as
negociações salariais no primeiro semestre tendem a ser mais difíceis do que as
do segundo. Nesse sentido, algumas categorias darão largada à rodada de
negociações de 2015 no Nordeste com foco nas cláusulas sociais dos acordos
trabalhistas.
No
Ceará, 16 categorias vinculadas a Central Única dos Trabalhadores (CUT) têm
data-base em primeiro de maio, entre metalúrgicos, têxteis e sapateiros.
Juntas, elas empregam 36 mil pessoas no Estado.
No
ano passado, os metalúrgicos do Estado começaram as negociações pedindo
reajuste nominal de 15% e conseguiram 8%. Este ano, a proposta inicial dos
trabalhadores já partirá de um percentual mais baixo, de 13%, o mesmo que será
proposto pelo sapateiros e pelos trabalhadores do ramo têxtil.
Segundo
Will Pereira, presidente da CUT Ceará, para compensar um possível reajuste
menor esse ano, as categorias pedirão benefícios como o de meio salário mínimo
como auxílio para a compra de material escolar, ampliação do horário de almoço
de 1h para 1h30, aumento da hora extra e participação nos resultados. "É
uma oportunidade para jogar na pauta temas como redução da jornada de trabalho.
Este não é um ano de greve, mas sim de diálogo", afirmou.
Na
Bahia, os rodoviários, professores federais e municipais e servidores da saúde
estão realizando as primeiras assembleias para o início das campanhas
salariais. Cedro Silva, presidente da CUT Bahia, acredita que o governo e as
empresas devem adotar um comportamento ainda mais cauteloso na concessão de
reajustes salariais acima da inflação no primeiro semestre. "Acredito que
o ganho real vai acontecer para a maior parte das categorias, mas não nos
patamares dos anos anteriores", diz.
Em
Pernambuco, onde a maior parte dos servidores estaduais e federais tem campanha
salarial no primeiro semestre, o discurso adotado será o de que "o ajuste
fiscal não poderá ser pago pelo trabalhador", segundo Carlos Veras,
presidente da CUT-PE.
Para
Veras, as campanhas salariais no setor público têm ficado mais difíceis a cada
ano por conta da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). "Neste ano, a
questão tem ainda mais peso porque a arrecadação dos Estados está baixa",
diz.
No
primeiro bimestre, Pernambuco ultrapassou o limite prudencial de gastos com
pessoal estipulado pela LRF. Por causa disso, apurou o Valor, a